O fundo do poço: como o FMI transformou promessas em dívidas impagáveis
Editorial, por Ronald Stresser.![]() |
| Imagem: Sulpost |
Na teoria, ele veio para ajudar. Criado no pós-guerra com o nobre propósito de evitar colapsos financeiros e promover a prosperidade global, o Fundo Monetário Internacional (FMI) se apresenta como um porto seguro para países em crise. Na prática, porém, o que se vê com frequência são nações inteiras afundando em recessões, cortes brutais em serviços públicos e uma dívida que nunca termina.
A Argentina conhece esse roteiro de cor. Nos últimos 30 anos, o país vizinho assinou dezenas de acordos com o FMI, todos com a mesma promessa: estabilizar a economia e recuperar a confiança dos mercados. O que se viu, no entanto, foi uma população cada vez mais empobrecida, hospitais sem insumos, universidades em greve e milhões de pessoas fazendo fila por ossos de carne. Isso mesmo: ossos.
“Minha aposentadoria não paga nem os remédios. Precisei vender minha geladeira”, contou, entre lágrimas, uma senhora de 74 anos, na periferia de Buenos Aires. A história dela é parecida com a de milhares de outras pessoas em diferentes partes do mundo — Egito, Paquistão, Tunísia, Ucrânia, Albânia, Equador. Países distintos, contextos diferentes, mas um denominador comum: todos viram sua soberania encolher depois de assinarem contratos com o Fundo.
Como funciona o jogo
A sede do FMI fica em Washington, mas suas decisões atravessam oceanos e determinam o destino de milhões de vidas. Oficialmente, 191 países integram o Fundo. Mas o peso de cada um é medido pela carteira: quanto mais dinheiro um país coloca no caixa, maior é sua influência. Os Estados Unidos, com 16,5% das cotas, têm direito a veto. Se não quiserem, nada passa.
Quando um país entra em colapso fiscal e bate à porta do Fundo, o empréstimo vem — mas não sem exigências. Cortes nos gastos públicos, reformas impopulares, privatizações em setores estratégicos, aumento de impostos. O FMI chama isso de “ajuste estrutural”. Nos corredores das periferias, isso tem outro nome: desemprego, miséria, fome.
E o buraco é mais fundo. Quando a dívida ultrapassa determinado limite — 187,5% da cota do país no FMI — entram em cena as sobretaxas. Um mecanismo que impõe juros ainda maiores, punindo justamente os que mais precisam. Estima-se que, entre abril de 2023 e janeiro de 2025, o Fundo tenha arrecadado mais de 2 bilhões de dólares só com essas sobretaxas. Dinheiro que poderia ter ido para hospitais, escolas, redes de proteção social.
Brasil: do sufoco à independência
O Brasil também viveu esse pesadelo. Nos anos 90, o Brasil vivia dias de incerteza. A inflação corroía salários como uma traça invisível, e o real recém-criado ainda buscava se firmar.
Foi nesse contexto que o governo de Fernando Henrique Cardoso recorreu ao FMI — um gesto visto, na época, como necessário para evitar o colapso. Mas o preço foi alto. Vieram os cortes nos gastos públicos, as privatizações em massa, a abertura do mercado sem rede de proteção.
A economia até deu sinais de estabilidade, com a inflação finalmente domada. Só que, do lado de fora das estatísticas, a vida piorou para muitos. Indústrias fecharam as portas, o desemprego tomou conta das manchetes e a desigualdade social se aprofundou, atingindo em cheio os mais pobres. Era como se o país tivesse vendido sua alma em troca de números mais bonitos — enquanto nas ruas, a esperança andava a pé. A indústria nacional, já combalida, perdeu espaço para produtos importados, e milhões de brasileiros foram jogados na informalidade.
Mas em 2005, veio o ponto de virada. Com as contas públicas mais equilibradas e as reservas em alta, o Brasil quitou sua dívida com o Fundo. Naquele ano, o então presidente Lula fez questão de anunciar: “pagamos e não devemos mais nada ao FMI”. O gesto foi mais do que simbólico — foi um grito de independência.
Uma ajuda que custa caro
É preciso perguntar: por que uma instituição criada para ajudar países a se reerguerem continua deixando rastros de destruição? A resposta talvez esteja no próprio modelo. O FMI funciona como um banco, mas não empresta para gerar desenvolvimento — empresta para garantir que seus devedores paguem. Pouco importa se o preço é a fome, o desemprego ou a paralisia de serviços essenciais.
Economistas críticos apontam que o Fundo trata crises sociais como problemas contábeis. A matemática do ajuste ignora que, por trás de cada número, existe gente. E o resultado disso é uma espiral de dependência: países recorrem ao FMI para pagar dívidas anteriores, acumulam novas dívidas e precisam, de novo, da ajuda do Fundo.
E agora?
O mundo de 2025 é bem diferente daquele de 1945. O que não mudou, infelizmente, é a lógica do sistema. O FMI segue operando com a régua do passado, cobrando dos mais frágeis a conta de um modelo que privilegia os mais fortes.
Mas há resistência. Em muitos países, crescem os movimentos sociais que denunciam a interferência do Fundo e exigem soluções que levem em conta a realidade de cada povo. É um novo tempo — e talvez esteja na hora de o FMI ouvir mais e exigir menos.
Porque, no final das contas, nenhuma economia se sustenta quando seu povo passa fome.


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