Presos sem grades: o grito abafado dos opositores de Maduro na embaixada argentina em Caracas
Por Ronald Stresser*![]() |
Gettyimages.ru / Leonardo Fernandez Viloria |
Caracas amanhece como de costume: o calor sufocante misturado à tensão invisível que paira no ar. Mas, atrás dos muros da embaixada da Argentina, um grupo de civis desarmados vive uma realidade que beira o inumano. Já se passaram mais de 400 dias de confinamento forçado. Dias em que o tempo parou para um pequeno grupo de venezuelanos que, no auge do medo, atravessaram os portões da embaixada argentina em busca de proteção. Era 20 de março de 2024. Acusados injustamente de “terrorismo”, “conspiração” e “traição à pátria”, o que fizeram, de fato, foi levantar a voz contra uma eleição marcada por fraudes e ameaças.
Não são rostos famosos. Não aparecem nas manchetes. Não ocupam cargos políticos, não têm seguranças, não comandam milícias. São professores, ativistas, jovens da periferia de Caracas que sonharam com uma Venezuela livre — e, por isso, passaram a ser caçados. São, sobretudo, cidadãos. Participaram da campanha da opositora María Corina Machado e de seu vice, Edmundo González – que do exílio na Espanha ainda denuncia a fraude eleitoral que reconduziu Maduro ao poder. Por isso, tornaram-se alvo do aparato repressivo da ditadura venezuelana. Quando bateram à porta da embaixada argentina, receberam asilo com base na Convenção de Viena – tratado internacional que garante a inviolabilidade das sedes diplomáticas.
Desde então, vivem entre quatro paredes, cercados por escuridão literal e simbólica.
"Hoje completamos 404 dias desde que ingressamos nesta sede diplomática, e mais de cinco meses sem eletricidade nem água corrente", diz um trecho da carta enviada ao presidente Luiz Inácio Lula da Silva nesta segunda-feira (28). "Essa situação se agrava pelo cerco policial constante nos arredores da sede […] Presidente Lula, já esperamos há mais de um ano uma ação concreta que garanta nossa saída segura, preservando nosso direito à vida, que hoje tememos diante das ameaças contínuas que enfrentamos."
A correspondência é um apelo dramático por dignidade. Ali, os asilados denunciam a "humilhação diária" e o silêncio do governo brasileiro, que desde agosto de 2024 assumiu a custódia da embaixada, após a retirada forçada dos diplomatas argentinos.
Poucas semanas depois, no entanto, o governo venezuelano revogou a autorização para que o Brasil cuidasse da missão argentina. Desde então, os asilados vivem em um limbo diplomático cruel, transformando o asilo em cárcere, a sede diplomática em cela sem luz ou água.
"Certamente somos asilados, obviamente, porque recebemos asilo da Argentina, mas também somos reféns", disse um dos refugiados à imprensa. "Receamos pela nossa vida."
No coração da capital venezuelana, bem em frente aos olhos do mundo, mais uma grave violação dos direitos humanos e do direito internacional se desenrola — e com o agravante de ocorrer dentro de uma representação estrangeira. Trata-se de um ataque direto à própria ideia de refúgio, à soberania das embaixadas e ao compromisso com a proteção humanitária.
É impossível não associar o drama dos asilados à natureza do regime de Nicolás Maduro, que persegue opositores, manipula eleições, e agora, ignora até os limites do direito internacional, ao tentar sufocar civis indefesos, escondidos de um Estado que insiste em criminalizar a dissidência.
Mas também é impossível ignorar o papel do Brasil.
Os asilados, em sua carta, chamam a atenção para o que consideram uma postura contraditória do governo Lula. Denunciam o abandono e a omissão. Dizem que a "bandeira do Brasil é humilhada", ao ser hasteada num local transformado em prisão.
Esse silêncio, ainda que político, tem peso diplomático. E consequências humanas.
Em pleno 2025, com o mundo assistindo a novas tragédias e velhas ditaduras ganhando sobrevida, a história desses refugiados precisa ser contada com urgência. Não apenas para pressionar por uma solução imediata – a saída segura do grupo, com proteção garantida –, mas para lembrar que o autoritarismo se fortalece quando a democracia se cala.
Caracas assiste, silenciosa, ao sofrimento de seus dissidentes. O Brasil não pode seguir o mesmo caminho.
"Se a situação continuar desta forma [sem luz e água], não iremos aguentar este mês", afirmou um dos asilados.
O tempo, para eles, não corre — apodrece. E cada novo dia sem resposta é uma nova cicatriz para a diplomacia brasileira e para a já tão castigada memória latino-americana.
*com informações da BBC e RT News.
Nenhum comentário:
Postar um comentário