Mais mortal que a droga: rabeira em ônibus vira epidemia silenciosa entre jovens de Curitiba
Por Ronald Stresser*Lucas Vicente Machado tinha só 14 anos quando a brincadeira virou tragédia. No último sábado, na Linha Verde, o adolescente perdeu a vida ao ser atropelado por um ônibus biarticulado. Ele tentava, pela terceira vez, o que muitos jovens de Curitiba chamam de “pegar rabeira” — se pendurar na traseira dos ônibus expressos da capital. Não voltou mais.
A morte de Lucas, enterrado na segunda-feira sob comoção, revolta e impotência, acendeu um alerta que há tempos pede socorro. O aviso, silencioso e insistente, se arrasta nas canaletas exclusivas para ônibus da cidade. Um lugar feito para garantir a fluidez do transporte coletivo virou pista de risco, imprudência e mortes.
Segundo a Urbanização de Curitiba (Urbs), em 2024 já foram registrados 16 acidentes envolvendo pedestres e ciclistas nas canaletas, com 18 feridos e uma morte — justamente a de Lucas. No ano passado, foram 70 ocorrências, 21% a mais que em 2023. A maioria causada por atitudes proibidas: caminhar, pedalar, atravessar fora da faixa... e, sim, pegar rabeira.
Mais letal que a droga
O prefeito Eduardo Pimentel lamentou a perda e fez um apelo aos pais. “Era a terceira vez que ele estava numa rabeira, já tinha sofrido dois acidentes. Não podemos permitir que isso aconteça”, disse. O caso do adolescente não é isolado: segundo uma fonte do Sulpost, ligada à Delegacia do Adolescente, nos últimos cinco anos, mais jovens morreram em Curitiba praticando rabeira do que por overdose de drogas.
E isso diz muito.
Num tempo em que a internet oferece distrações instantâneas e desafios perigosos, muitos adolescentes buscam adrenalina no asfalto. As redes sociais não apenas alimentam, mas glorificam essas práticas. Vídeos de jovens se pendurando em ônibus, seja de bicicleta, skate ou até mesmo a pé, viram curtidas e seguidores. Na disputa por atenção, a vida vira detalhe.
“Nosso entendimento sobre o que os jovens estão fazendo é muitas vezes diferente da realidade. A internet abriu um campo imenso, e esse abismo entre gerações está cada vez maior. O desafio é: como conduzir essas questões?”, reflete Marli Alves, psicopedagoga que trabalha com famílias em situação de vulnerabilidade em Curitiba.
Pais em alerta, sociedade em ação
O pai de Lucas, Marcio Stefano, deixou um desabafo: “Eu avisei ele que na terceira não voltaria. Ele não me escutou. Quem sofre é pai e mãe. Ele era filho único”. A fala corta como faca e carrega um alerta: a conversa dentro de casa precisa voltar a acontecer.
Mas não basta. A tragédia exige resposta coletiva. Especialistas apontam caminhos práticos para pais e responsáveis:
- Supervisão digital: monitore redes sociais, verifique o tipo de conteúdo que seu filho consome e posta. Desafios perigosos circulam, muitas vezes, em perfis aparentemente inofensivos.
- Diálogo franco e frequente: adolescentes precisam sentir que podem errar e conversar sobre isso. Construa vínculos, não apenas regras.
- Rotinas seguras: combine rotas e horários para que não precisem esperar ônibus sozinhos ou se entretenham com brincadeiras perigosas.
- Atenção a sinais de risco: machucados recorrentes, histórias mal contadas ou amizades que estimulam práticas radicais são indícios de alerta.
O dever de todos
A Prefeitura promete reforço na fiscalização e campanhas educativas. Já foram abordadas mais de 12 mil pessoas em ações nas canaletas. Novos ônibus contam com placas anti-intrusão, e a Câmara Municipal analisa projeto de lei que prevê multa de R$ 600 para quem for flagrado na prática da rabeira.
Mas enquanto a lei não vem, a responsabilidade é de todos.
Denunciar a prática pode salvar vidas. O telefone da Guarda Municipal de Curitiba está disponível para esse tipo de ocorrência (153). Ver alguém pegando rabeira e não agir é fechar os olhos para uma tragédia anunciada.
A dor como mudança
Curitiba está de luto. Mas pode estar também diante de um ponto de virada. A dor da família de Lucas não pode ser em vão. É preciso, com urgência, escancarar o perigo, dar nome ao risco e envolver toda a cidade na prevenção.
Porque nenhuma curtida vale uma vida. Nenhuma rabeira vale um enterro.
*com informações da Prefeitura de Curitiba.
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