Ouro que virou pó: desabamento do teto da histórica igreja no Pelourinho mata uma turista e expõe o abandono do patrimônio nacional
As paredes revestidas de ouro da Igreja de São Francisco de Assis, em Salvador, guardavam histórias de séculos. Mas, na tarde de uma quarta-feira fatídica, o brilho dourado cedeu lugar ao peso cruel da negligência. Parte do teto ruiu, ferindo cinco pessoas e ceifando a vida de Giulia Panchoni Righetto, uma turista de 26 anos que apenas queria admirar a grandiosidade do templo barroco. Ela encontrou, em vez de beleza, o descaso de uma nação que falha em proteger sua própria memória.
Um grito abafado pelo descaso
Construída entre os séculos XVII e XVIII, a igreja — conhecida como “Igreja de Ouro” — é uma das mais impressionantes expressões do barroco no Brasil. Sua arte sacra, talhada em madeira e coberta por folhas de ouro, sempre foi um símbolo do esplendor colonial. Mas o que antes foi majestoso virou um amontoado de destroços.
Erro anunciado
Nos corredores do poder, onde decisões deveriam ser tomadas em favor da preservação, imperam a burocracia e o descaso. Com o corte de gastos anunciado pra o exercício de 2025 pelo governo federal a situação só tende a piorar. Manter um monumento vivo exige mais do que discursos sobre patrimônio: requer ação. E essa ação falhou. O teto de madeira, peça fundamental da estrutura, não desabou por acaso. Ele cedeu porque não foi devidamente monitorado.
A Defesa Civil interditou o local e iniciou investigações, mas a pergunta que ecoa entre os escombros é simples e estarrecedora: por que esperaram um desabamento para agir?
Desastre que poderia ter sido evitao
Os alertas estavam lá. O tempo, a umidade e a ação dos cupins são inimigos conhecidos das construções coloniais. Restauradores e especialistas há anos denunciam a necessidade urgente de manutenção adequada em igrejas históricas da Bahia, incluindo São Francisco de Assis. Mas o que foi feito? Muito pouco — ou quase nada.
Não se trata apenas de um problema técnico, mas de uma escolha política. Escolher ignorar sinais de deterioração significa assumir o risco de tragédias como essa. O governo estadual, municipal e os órgãos responsáveis pela preservação do patrimônio nacional precisam responder: por que não houve fiscalização rigorosa? Por que não houve obras preventivas? Por que foi necessário perder uma vida para que o problema ganhasse atenção?
O luto de uma família, o luto de um país
Giulia Panchoni Righetto viajou até Salvador para conhecer um dos maiores tesouros do Brasil. Morreu soterrada por um teto que deveria estar intacto. Sua família, devastada pela perda, não recebe apenas condolências — recebe a dolorosa constatação de que sua morte era evitável.
O Brasil perdeu um pedaço de sua história, mas, acima de tudo, perdeu uma vida. A arte pode ser restaurada, o ouro pode ser recolocado, mas quem trará Giulia de volta?
E agora?
Os destroços no chão da igreja são mais do que restos de madeira e gesso. São a evidência de um Estado omisso, de um sistema que valoriza o patrimônio apenas no discurso.
O Brasil precisa decidir se quer preservar sua história ou assistir a sua destruição, um desabamento de cada vez. E, enquanto essa decisão não for tomada, seguimos contando mortos entre as ruínas do que um dia foi grandioso.
Ronald Stresser, da redação.
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