Fake news e justiça com as próprias mãos: quando a mentira pode até matar
A verdade é frágil. Quando distorcida, transformada em boato e espalhada sem controle, ela pode se tornar uma sentença de morte. Foi assim que o catador de recicláveis Elvis Cleiton da Silva Batista, de 38 anos, foi brutalmente linchado até a morte em Juiz de Fora, Minas Gerais. Em pouco tempo ele teve sua reputação destruída, foi perseguido, caçado e brutalmente assassinado por um crime que não cometeu.
Segundo noticiado pelo programa "Cidade Alerta", da Band MG, um fato que começou como um simples mal-entendido — por uma mãe que alega ter confundido as palavras da própria filha — se espalhou como poeira ao vento em um bairro onde o medo e a revolta psrecem caminhar lado a lado. Em questão de algumas horas, Elvis, um homem comum, foi transformado em monstro. O tribunal? A vizinhança. O juiz? A fúria popular alimentada por uma terrível mentira fruto de um reles mal entendido.
Quando a verdade é ignorada
Uma criança de 9 anos, que brincava na rua, chegou em casa aparentemente assustada, contado que foi "agarrada" por um homem. Sua mãe interpretou a palavra como "estuprada". A notícia se espalhou rapidamente pelo bairro e, sem qualquer investigação policial competente, Elvis foi acusado. Foi o suficiente para inflamar a ira coletiva de toda vizinhança.
O catador foi perseguido, enconteado, cercado, espancado e violentamente morto a pauladas, chutes e pedradas por um grupo de moradores mais exaltados, rnquanto outro grupo assistiu a tudo sem nada fazer para que a agressao cessase. O horror foi filmado e publicado nas redes sociais como se fosse um espetáculo. E então veio a revelação cruel: Elvis era inocente. A polícia, ao investigar o caso, descobriu que a violência contra a criança nunca aconteceu.
O veredicto da justiça tardia? Dez pessoas indiciadas, incluindo a mãe da criança, seu noivo e seu sogro. Sete delas já estão presas. Mas nenhum indiciamento, pedido de desculpas ou qualquer reparação que seja pode trazer Elvis de volta. Nenhuma prisão pode apagar o vídeo horrendo de sua execução pública.
A sociedade dos juízes virtuais
O caso de Elvis não é isolado. Nos últimos anos, o Brasil tem assistido a uma escalada de destruições de reputação e linchamentos movidos por notícias falsas. Mesmo que as "fake news" não cheguem à grande mídia hoje elas são espalhadads na velocidade da Internet pelo WhatsApp.
Em 2014, a dona de casa Fabiane Maria de Jesus foi morta após um boato falso no Facebook dizer que ela sequestrava crianças. Em 2018, em São Paulo, um homem foi espancado até a morte porque alguém suspeitou, sem provas, que ele roubava motos.
Com a velocidade das redes sociais, julgamentos populares ocorrem em minutos. Basta uma foto, um áudio fora de contexto ou um vídeo manipulado para que alguém seja condenado sem direito à defesa. A mentira viraliza. A multidão se inflama. E então, o sangue corre.
O perigo da falsa justiça
O caso de Elvis escancara um problema que já não pode ser ignorado: quando a sociedade assume o papel da justiça, o resultado é o caos. Nenhum tribunal aceita boatos como prova. Nenhum juiz condena alguém baseado apenas no que “ouviu dizer”. Então, por que a sociedade civil acha que pode fazer isso?
Pessoas comuns, ao se deixarem levar pelo ódio, pela fofoca, por rixas entre vizinhos, polarização política, e, principalmente pela desinformação, tornam-se algozes. A raiva coletiva tem o poder de transformar cidadãos comuns em assassinos, e isso acontece quando a "justiça" se torna vingança. A lição que fica do caso Elvis é dura, mas necessária: a próxima vítima pode ser qualquer um.
Quando se permite que casos que levam a desfechos como este ocorram sem nenhuma punição, fomenta-se sua sua continuidade. Quando rixas pessoais destroem reputações e forma-se um grupo de justiceiros movidos por conversas e vídeos fora de contexto, existe a necessidade vital da verificação de qualquer informação descontextualizada.
A verdade precisa ser protegida, pois ela é a maior defesa dos cidadãos e cidadãs de bem. A dúvida deve ser investigada de maneira científica e livre do calor da emoção. Porque, quando a mentira se torna justiça, o resultado é sempre o mesmo: inocentes seriamente prejudicados, e até brutalmente assassinados, enquanto os verdadeiros culpados ficam livres, e se sentem impunes para repetir ataques bárbaros como no do caso que gerou o linchamento de Elvis.
Ronald Stresser, da redação.
Nenhum comentário:
Postar um comentário