domingo, 26 de janeiro de 2025

EUA algema deportados desde os anos 80

A indignação tardia: o drama das deportações e a oficialização da hipocrisia

 
 

Por trás da retórica política, das notas de repúdio e dos discursos inflamados, há histórias de brasileiros que, após perseguirem o sonho de uma vida melhor nos Estados Unidos, são forçados a retornar algemados ao país de origem. As imagens recentes de deportados desembarcando em Manaus, retirados de aeronaves norte-americanas, reacenderam um debate que vai muito além do protocolo de segurança: o silêncio conivente de décadas e a hipocrisia que emerge apenas quando os holofotes da geopolítica iluminam a cena.

Desde os anos 1980, o uso de algemas em voos de deportação é um procedimento padrão nos Estados Unidos. A justificativa, amplamente divulgada, é a segurança: proteger tanto os agentes de custódia quanto os próprios deportados durante o trajeto. Um protocolo que, embora frio, reflete a política imigratória rígida que permeia a história recente americana. Mas, por que, somente agora, com Donald Trump de volta à presidência, o governo brasileiro parece descobrir o “desrespeito” a seus cidadãos?

O silêncio das décadas passadas

Não é novidade que deportações massivas são parte da política de imigração americana. Ao longo dos anos, tanto republicanos quanto democratas mantiveram medidas duras contra imigrantes indocumentados. As algemas, ainda que simbólicas, sempre estiveram presentes, sem provocar indignação explícita de Brasília.

Mesmo durante governos brasileiros que se declaravam defensores dos direitos humanos, o tema foi tratado com uma mistura de resignação e apatia. A alegação de que o Brasil não deveria interferir em “políticas soberanas” de outro país justificava a ausência de reações.

Trump, o bode expiatório conveniente

Com o retorno de Donald Trump à Casa Branca e a intensificação das deportações, o governo brasileiro adotou um tom veemente. A decisão de retirar as algemas dos deportados ao desembarcarem em território nacional, seguida pela mobilização de uma aeronave da Força Aérea Brasileira (FAB) para transportá-los, foi apresentada como um gesto de soberania e humanidade.

Mas, nas entrelinhas, o gesto é também uma manobra política. Trump, com sua retórica agressiva contra imigrantes, é o antagonista perfeito para que o governo brasileiro se posicione como defensor dos seus. Ignora-se, no entanto, que as práticas atuais são continuidade de um histórico consolidado.

A dor invisível dos deportados

Enquanto os governos trocam acusações e jogam para suas respectivas plateias, os deportados vivem o peso do fracasso. São mães, pais e jovens que investiram tudo o que tinham – emocional e financeiramente – na tentativa de construir uma vida melhor. Retornam ao Brasil marcados não apenas pelas algemas, mas pelo estigma de terem "falhado".

Muitos deles relatam a humilhação do procedimento. A algema, ainda que justificada como medida de segurança, é também um símbolo de criminalização. São pessoas que, em sua maioria, não cometeram crimes graves, mas tiveram seus sonhos esmagados por fronteiras intransponíveis.

A verdadeira dignidade está no cotidiano

O discurso do governo brasileiro, centrado na dignidade da pessoa humana, contrasta com a realidade de milhares de brasileiros que enfrentam a miséria e a violência no próprio país. A mesma administração que agora se revolta contra o tratamento dado aos deportados ignora, muitas vezes, as condições que os levaram a buscar uma vida melhor no exterior.

As algemas, afinal, não são apenas metálicas. Elas estão nos baixos salários, na falta de oportunidades, na desigualdade estrutural que empurra cidadãos para longe de suas famílias e terras. A indignação do governo soa vazia quando desconectada de ações concretas para transformar essa realidade.

Entre o teatro político e a mudança necessária

A retirada das algemas no desembarque em Manaus foi um gesto simbólico, mas insuficiente. A verdadeira luta pela dignidade dos brasileiros deportados não começa nos aeroportos, mas na construção de um país onde migrar não seja a única alternativa para muitos.

Enquanto isso, a hipocrisia segue no ar, tão pesada quanto os voos que trazem de volta os sonhos quebrados.

Ronald Stresser, da redação.

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