quinta-feira, 23 de janeiro de 2025

Brasil pode estar à beira de um apagão na educação pública

O apagão de professores e o risco de um futuro perdido para o nosso país

 
Foto: UERJ/Arquivo
 

Na sala abafada de uma escola pública no interior do Nordeste, o quadro-negro exibe equações rabiscadas com pressa. A professora, formada em Ciências Biológicas, tenta explicar os conceitos da Física para alunos que sequer conseguiram entender o básico da matéria. O semblante cansado da educadora denuncia jornadas exaustivas e um esforço que parece não ter fim. Essa cena, comum em tantas escolas brasileiras, é um reflexo de um problema maior: o risco eminente de um apagão de professores.

A expressão não é apenas uma metáfora. Estudos da Fundação Getúlio Vargas (FGV) apontam que, se nada mudar, o Brasil terá um déficit de 235 mil professores na educação secundarista até 2040. O problema já está instalado. No ensino médio, 51,7% dos docentes não têm formação na área em que lecionam, e em regiões como o Nordeste, esse índice ultrapassa 66%. O resultado é uuma educação fragilizada, com impactos profundos no futuro do país.

Por trás da crise

O que levou o Brasil a essa encruzilhada? Não é difícil encontrar as respostas. Salários baixos, falta de estrutura nas escolas, jornadas sobrecarregadas e uma carreira desvalorizada afastam jovens talentos das licenciaturas. Segundo dados recentes, as taxas de evasão nos cursos de formação de professores são alarmantes. Para muitos, o custo emocional e financeiro de se tornar docente não compensa.

“A gente entra na sala querendo fazer a diferença, mas sai de lá esgotada, muitas vezes em silêncio, porque ninguém ouve os professores”, desabafa Camila, professora de Química em uma escola pública de Manaus. Aos 32 anos, ela já pensa em abandonar a profissão. “A paixão não paga as contas e nem cura a ansiedade.”

Os números também falam por si. No início de 2024 o MEC divulgou os dados do último Censo Escolar, eles mostram que 80,8% dos professores e professoras de Física e 66,3% dos (as) de Química não possuem formação específica. Para piorar, as condições precárias de trabalho e a ausência de políticas públicas efetivas criam um ciclo vicioso, desmotivacional, que atinge tanto docentes quanto alunos.

Descaso que custa caro

O impacto desse apagão não se limita à sala de aula. Ele é transgeracional. Sem professores e professoras qualificados, a qualidade do ensino sofre um enorme prejuízo, e os estudantes mais vulneráveis são os mais prejudicados. A evasão escolar aumenta, o aprendizado é interrompido e o Brasil perde a oportunidade de formar cidadãos capazes de transformar a sociedade.

“A educação é a ponte para o futuro. Sem ela, ficamos presos no atraso”, afirma Maria Helena Guimarães de Castro, especialista em políticas educacionais. “Se queremos ser um país competitivo, precisamos valorizar quem ensina.”

A situação atual, porém, parece um contrassenso. Em um mundo onde o conhecimento é o motor do desenvolvimento, o Brasil negligencia aqueles que têm o poder de transmitir esse conhecimento. A desvalorização do professor reflete uma visão de curto prazo, que compromete a construção de uma sociedade mais justa e inovadora.

O que pode ser feito?

Resolver o apagão de professores não é simples, mas é possível. A solução começa pela valorização da carreira. Não se trata apenas de abrir concursos públicos, mas de criar condições que atraiam e retenham talentos na profissão.

Países como Portugal e Estônia oferecem exemplos inspiradores. Programas de mentoria para novos professores e incentivos para aposentados continuarem na ativa ajudam a reduzir a evasão na carreira. Além disso, a melhoria da infraestrutura escolar e o aumento dos salários são passos indispensáveis.

“Hoje, o professor brasileiro se sente abandonado. Falta apoio emocional, pedagógico e financeiro”, ressalta Júlio Furtado, consultor educacional. “Investir no professor é investir no futuro.”

Escolha de prioridades

O apagão de professores é mais do que uma crise educacional; é uma questão de sobrevivência nacional. Como um país pode sonhar em ocupar um lugar entre as nações mais desenvolvidas se não garante o básico para suas crianças e jovens? Como falar em inovação, tecnologia e progresso quando falta o essencial: uma educação de qualidade?

A professora Camila, que sonhava em mudar vidas, hoje se pergunta até quando poderá resistir. Como ela, milhares de docentes vivem o dilema entre o amor pela profissão e o peso de uma carreira que os esgota física e emocionalmente. Enquanto isso, o Brasil segue perdendo tempo — e futuro.

Se há uma lição a ser aprendida, é que a educação começa e termina no professor. E, sem eles, o Brasil corre o risco de permanecer na contramão do desenvolvimento. A pergunta que fica é: até quando vamos ignorar o óbvio?

Ronald Stresser, da redação.

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