Mujica: "Sem uma causa, você será apenas funcional ao mercado"

“Se você não tiver uma causa, a sociedade vai te enquadrar”: alerta Mujica ao mundo

 

"Devo grande parte da minha vida hoje a ela", diz Mujica sobre a esposa Lucía - Foto: Mariana Castiñeiras

 

No alto de seus 89 anos, José “Pepe” Mujica, ex-presidente do Uruguai, continua a ser uma voz poderosa contra o consumismo sem freios que hoje em dia parece moldar a vida da grande maioria das pessoas. Numa entrevista exclusiva concedida ao jornalista Gerardo Lissardy, da BBC News Mundo, Mujica abriu seu coração para falar sobre sua luta pela vida, suas reflexões sobre o mundo e os desafios do século XXI.  

Vivendo com simplicidade em sua chácara nos arredores de Montevidéu, rodeado por livros, grande variedade de plantas, o cheiro do mato e da terra molhada, Mujica refletiu sobre o alto preço que todos pagam ao não questionar a sociedade de consumo e o estilo de vida ditado pelo capital: “Se você não tiver uma causa, a sociedade vai te enquadrar, e você vai passar a vida inteira pagando contas”.  

Essa frase ressoa como um manifesto contra o “piloto automático” em que muitos de nós vivemos. Mujica critica o modelo econômico que nos empurra para uma vida de consumo desenfreado e, ao mesmo tempo, esvazia nossa essência. “Confundimos ser com ter. A verdadeira liberdade está em dedicar tempo ao que amamos, mas o mercado nos rouba isso”, pontua.  

A luta pela sobriedade em um mundo desequilibrado

Para Mujica, a solução para esse dilema passa por um conceito que ele chama de "sobriedade". Não é pobreza, mas uma escolha consciente de viver com menos, priorizando o essencial. Ele argumenta que o atual ritmo de consumo é insustentável: “Se todos no planeta consumissem como os europeus, precisaríamos de três planetas”.  

A preocupação com o meio ambiente também esteve no centro de suas declarações. Mujica, que acompanhou de perto os debates climáticos nos últimos anos, lamenta a falta de ação política frente às evidências científicas. “A natureza nos cobra. O que os cientistas disseram há 30 anos está acontecendo agora: secas, inundações, extremos climáticos. Não foi a ciência que falhou, mas a política”.  

Crítica ao sistema político

Mujica, que viveu o auge do poder e conhece suas limitações, não poupa críticas ao sistema representativo. “A democracia é a melhor porcaria que inventamos até agora, mas está em crise. Ela promete igualdade, mas a vida real é desigual”. Para ele, a complexidade da sociedade moderna exige novas formas de governança, onde especialistas de diferentes áreas possam atuar de maneira mais integrada e eficaz.  

Ele também não poupa a própria esquerda, que, segundo ele, muitas vezes idolatra o Estado sem reconhecer suas falhas: “O problema não é o Estado em si, mas os seres humanos que o administram. Somos nós que falhamos”.  

Um legado de simplicidade e resistência  

Mujica não é apenas um crítico; ele vive o que prega. Sua trajetória de guerrilheiro torturado a presidente austero e filósofo da vida simples inspira milhões ao redor do mundo. Ele conclui a entrevista com uma mensagem carregada de gratidão: “Tenho que gritar: obrigado à vida”.  

Essa frase encapsula o espírito de um homem que, mesmo diante da fragilidade da idade e da saúde, continua a lutar por um mundo mais justo, mais humano e mais conectado com a essência da vida.  

Opinião Sulpost 

As palavras de Mujica são um alerta urgente para tempos de superficialidade e alienação. Enquanto muitos estão preocupados com o próximo modelo de celular ou com metas inalcançáveis de produtividade, Mujica nos lembra que a verdadeira riqueza está na simplicidade, na conexão com a natureza e na busca de uma causa que dê sentido à nossa existência.  

No Sulpost, ecoamos essa mensagem com entusiasmo. Vivemos em um momento histórico em que escolhas conscientes podem definir o futuro do planeta. Inspirar-se na sabedoria de Mujica é um convite para repensarmos nosso papel no mundo.  

Talvez esteja na hora de pararmos de acumular coisas e começarmos a cultivar valores. Afinal, como diz Mujica, "a vida é curta demais para ser desperdiçada com o que não importa". 

Ronald Stresser, com informações da BBC.