sexta-feira, 20 de dezembro de 2024

Jornalismo à margem: a nova face da televisão brasileira

Demissões na Record expõe dilemas do jornalismo no Brasil - Ronald Stresser / Dezembro de 2024

 

Imagem meramente ilustrativa/Sala de TV
 

No coração da Barra Funda, em São Paulo, o clima na Rede Record está longe de ser festivo neste final de 2024. Desde o fim de novembro, as demissões na emissora vêm deixando um rastro de incertezas e lágrimas nos corredores, atingindo profissionais de longa data e consolidando um cenário preocupante para o jornalismo brasileiro. As dispensas, que começaram a conta-gotas, agora assumem proporções de uma enxurrada, com cortes que incluem nomes de peso e setores inteiros.

Na última terça-feira (17), foi a vez de André Azeredo, conhecido por seu carisma e estilo próximo ao público, e Thatiana Brasil, que acumulava 16 anos de dedicação à emissora, se despedirem. Ambos eram rostos familiares para quem acompanhava os programas jornalísticos da Record, e suas saídas não passaram despercebidas.

André Azeredo, que deixou a Globo para integrar a Record em 2019, tornou-se uma figura de destaque em programas como o SP no Ar e Domingo Espetacular. Já Thatiana, com uma trajetória que começou no Rio de Janeiro e a levou a apresentar o Fala Brasil e o Câmera Record, emocionou colegas ao anunciar: “Chegou a minha vez, fim de um ciclo.”

Estratégia de cortes ou enfraquecimento do jornalismo?

Os cortes não se restringem a nomes conhecidos. Além de Azeredo e Thatiana, outros jornalistas e produtores de renome, como Cleisla Garcia, Lucio Sturm, e até Aline Sordili, ex-executiva com mais de 15 anos na casa, foram dispensados. O programa investigativo Câmera Record, de Roberto Cabrini, não resistiu ao facão e não retorna em 2025.

Segundo a emissora, os desligamentos fazem parte de uma reestruturação para ajustar os custos e abrir espaço na grade para a cobertura do Campeonato Brasileiro no próximo ano. Mas a conta não fecha. O jornalismo da Record, conhecido por suas reportagens investigativas e cobertura de grandes eventos, perde, assim, uma parte de sua alma.

E não é só a Record que sofre. Outras gigantes da TV aberta, como Globo e SBT, também enfrentam dificuldades, enxugando suas equipes e reduzindo produções. Em um mercado onde os desafios financeiros crescem e a concorrência com plataformas de streaming aumenta, o jornalismo — aquele de qualidade, que informa e transforma — parece estar pagando o preço mais alto.

Impacto humano e profissional

O clima nos bastidores é pesado. "A cada dia, é como se houvesse um sorteio para decidir quem vai embora", confidenciou um funcionário da emissora. Muitos profissionais saem sem perspectivas claras, e a despedida de colegas se tornou rotina dolorosa. Mesmo aqueles que permanecem relatam um ambiente de tensão constante.

A jornalista Aline Sordili, em sua mensagem de despedida, exemplificou o tom emocional que tomou conta da empresa: "Obrigada a todos por terem feito parte do meu aprendizado e crescimento profissional. Só tenho gratidão." Palavras bonitas, mas que não mascaram o cenário desolador.

O futuro do jornalismo na TV aberta

A crise não é só da Record. É de todo o sistema de televisão aberta no Brasil, que vê suas receitas publicitárias encolherem enquanto os custos operacionais continuam altos. O aumento da relevância das plataformas digitais na distribuição de conteúdo e publicidade agrava ainda mais a situação.

Para muitos, o caminho natural seria investir no jornalismo como um diferencial de qualidade e credibilidade, mas a tendência aponta para o oposto: enxugamento de equipes, fim de programas investigativos e dependência crescente de produções terceirizadas ou de baixo custo.

Enquanto isso, os telespectadores, que são os verdadeiros consumidores desse conteúdo, ficam órfãos de vozes que ajudaram a moldar o jornalismo brasileiro. A perda de talentos como Azeredo, Thatiana e tantos outros é um lembrete doloroso de que a televisão, esse "brinquedo caro", está em um momento crítico — e não há garantia de que sairá fortalecida desta crise.

Reflexão para 2025

Com a chegada do Campeonato Brasileiro à grade da Record, as expectativas da emissora para o próximo ano são altas. Mas, diante de tantos cortes e do esvaziamento de seu núcleo jornalístico, fica a pergunta: a que custo? O jornalismo, que deveria ser o alicerce de qualquer grande emissora, parece estar se tornando um elemento descartável.

Enquanto isso, os profissionais que dedicaram suas vidas a informar, investigar e conectar a população com a realidade enfrentam um futuro incerto. A luta pela sobrevivência do jornalismo de qualidade no Brasil continua — e o ano de 2025 promete ser decisivo.

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