Enquanto a rotina celebra o retorno à normalidade, hospitais e estatísticas nos lembram que a ameaça persiste — e que a vacina continua sendo a linha de frente entre a vida e a perda
Por Ronald Stresser – Sulpost
Há dias em que a rua parece dizer que a pandemia acabou: bares cheios, máscaras guardadas na gaveta, conversas que evitam o tema. Mas as salas de internação e os números oficiais contam outra história — uma história em que o coronavírus permanece ativo e letal. O mais recente boletim InfoGripe, da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), aponta que, entre 31 de agosto e 27 de setembro, a Covid-19 foi responsável por 50,9% dos óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) causada por vírus.
Os números que não esquecem
No recorte das quatro semanas analisadas, além dos óbitos atribuídos à Covid-19, outros vírus também apareceram nas estatísticas: 25,7% dos casos foram por rinovírus, 15,8% por influenza A, 5% por vírus sincicial respiratório (VSR) e 1,8% por influenza B. Em partes do Centro-Oeste — especialmente em Goiás e no Distrito Federal — a circulação do coronavírus tem impulsionado um crescimento das hospitalizações, com impacto maior entre os idosos. Nestas mesmas unidades federativas, a influenza A surpreendeu, provocando uma espécie de “segunda temporada” de circulação, comportamento atípico para a época do ano.
Olhando o ano epidemiológico de 2025 de forma mais ampla, foram registrados 11.161 óbitos de SRAG, dos quais 5.798 (51,9%) tiveram resultado laboratorial positivo para algum vírus respiratório. Quando se considera apenas os óbitos por vírus respiratórios neste período, o perfil é este: 51% por influenza A, 22,4% por Sars-CoV-2 (Covid-19), 13,9% por rinovírus, 11,9% por VSR e 1,8% por influenza B.
Vozes que pedem atenção
A cientista responsável pelo Boletim InfoGripe, Tatiana Portella, faz um apelo direto, que mistura ciência e cuidado humano: “A gente pede que as pessoas, especialmente integrantes dos grupos de risco, verifiquem se estão com a vacinação em dia. A vacina continua sendo a principal forma de proteção contra casos graves e óbitos. Nós recomendamos o isolamento em caso de sintomas de gripe ou resfriado ou, se não for possível, que a pessoa saia de casa usando uma boa máscara.”
“A vacina continua sendo a principal forma de proteção contra casos graves e óbitos.” — Tatiana Portella, pesquisadora responsável pelo Boletim InfoGripe (Fiocruz).
A vida real por trás das estatísticas
Números têm som e cheiro: têm o choro no corredor do hospital, a cadeira vazia na mesa de jantar, a foto que ficou no porta-retrato. Em bairros onde avós cuidam de netos e em apartamentos onde alguém trabalha de forma híbrida, a decisão de se vacinar, de ficar em casa quando aparece um sintoma, ou de usar máscara ao visitar parentes vulneráveis, traduz-se em vidas preservadas. É um gesto simples que evita que a estatística vire tragédia pessoal.
A percepção de que “acabou” cria uma ilusão coletiva que torna o país mais vulnerável: menos testagem, adiamento da vacinação de reforço, relaxamento nas medidas de proteção. Mas a ciência, e as próprias tristes memórias do que já foi perdido, continuam a mostrar o caminho — e são exigentes: vacinas em dia, atenção às orientações médicas e cuidado com quem é mais frágil.
O que cada pessoa pode fazer agora
- Verificar o cartão vacinal e atualizar doses de reforço quando recomendadas;
- Isolar-se diante de sintomas respiratórios e procurar orientação médica;
- Se precisar sair, usar máscara de boa qualidade (N95/PFF2 quando possível);
- Evitar visitas a pessoas idosas ou com imunossupressão quando tiver sintomas;
- Manter ventilação adequada em ambientes fechados e higiene de mãos.
Memória, responsabilidade e solidariedade
A notícia de que a Covid-19 figura hoje como principal causa de óbitos por vírus respiratórios nas últimas semanas não é um chamado ao pânico — é um chamado à memória e à responsabilidade. Lembrar do que perdemos nos autoriza a agir para que menos famílias sintam o vazio da ausência. A vacina, comprovadamente eficaz para reduzir hospitalizações e mortes, é uma promessa de cuidado que podemos cumprir uns com os outros.
Esta reportagem busca traduzir dados em rostos e decisões. Em tempos de pressa, que a lentidão de uma verificação no cartão de vacina e o gesto de ficar em casa ao primeiros sinais de gripe possam valer mais do que um dia de trabalho perdido — e salvar uma vida.
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