Harpias do Paraná: a ave-símbolo que atravessa o brasão, as florestas e o compromisso binacional de Itaipu pela preservação da nossa memória natural
Por Ronald Stresser — Sulpost
Guardando o brasão do Paraná permanece uma figura que concentra passado, presente, força e promessa: a harpia, ou gavião-real. Não se trata apenas de um emblema heráldico — é um espelho do que perdemos e do que ainda podemos salvar. Majestosa, capaz de capturar presas de até seis quilos, a harpia é reconhecida como a ave de rapina mais poderosa do mundo. É também, tragicamente, uma espécie classificada como criticamente ameaçada em nosso estado, vítima da perda de habitat e da ação humana.
Encontrar uma harpia em voo nas florestas paranaenses sempre foi — e continua sendo — um acontecimento raro. Quando a primeira fotografia da espécie em território paranaense foi registrada em 2020, a reação não foi apenas científica: foi coletiva, quase íntima. A imagem acendeu esperança e lembranças, e empurrou para frente a urgência de programas que deem à ave a chance de persistir.
Por que a harpia é o símbolo do Paraná?
- Poder e força. Sua imponência natural — a força para dominar a copa das florestas — ecoa como metáfora de um povo que se orgulha da sua resistência.
- Presença heráldica. Ao figurar no brasão do estado, a harpia traduz uma memória coletiva: a de uma natureza que moldou culturas e identidades.
- Importância ecológica. A harpia é um indicador da saúde da Mata Atlântica — bioma vital para o Paraná — e sua proteção sinaliza cuidado com serviços ambientais essenciais, da água à biodiversidade.
![]() |
Transporte das harpias — William Brisida/Itaipu Binacional |
Onde ela vive e por que precisa de proteção
As harpias habitam as camadas altas das florestas tropicais, nas copas emergentes do dossel, onde o mundo visto de cima revela caminhos e presas. A fragmentação das florestas e a caça reduziram drasticamente as chances de reprodução e sobrevivência. Em muitas partes da América Central e da América do Sul a espécie está em declínio — e, em alguns locais, já foi extinta.
No Paraguai, por exemplo, a harpia está praticamente extinta, lembra o médico-veterinário da margem paraguaia da Itaipu, Santiago Molina Iriondo, coordenador do Centro de Investigación de Animales Silvestres (CIAS). “Trata-se da maior águia que já habitou nossas terras, e agora temos a oportunidade e a responsabilidade de mostrá-la aos visitantes do zoológico. É uma grande alegria para as equipes brasileira e paraguaia”, diz ele — palavras que soam ao mesmo tempo como celebração e chamado à responsabilidade.
O trabalho de Itaipu: cuidado, ciência e memória
A Itaipu Binacional assumiu com clareza a missão de proteger fauna e flora paranaense. No Refúgio Biológico Bela Vista, o programa de reprodução de harpias se destaca internacionalmente: é um dos mais bem-sucedidos do mundo e representa uma ponte entre conhecimento técnico e afeto pela natureza. Ali, equipes multidisciplinares do Brasil e do Paraguai trabalham em conjunto — zootecnistas, veterinários e auxiliares que conhecem cada ave pelo nome, histórico e particularidade.
Entre os nomes que encabeçam essa dedicação estão Fabiana Stamm (zootecnista, Itaipu – Brasil), a equipe veterinária formada por Natasha Zacarias (Paraguai) e Aline Konell (Brasil), e o auxiliar Walter Maia, entre outros. O esforço é binacional, técnico e profundamente humano: cuidar de harpias exige paciência, vigilância e um entendimento de que se trata de restaurar um pedaço do futuro.
Cinquentinha e Pangeia: nomes que carregam esperanças
O macho apelidado de “Cinquentinha” e a fêmea “Pangeia” são exemplos vivos desse trabalho. Em breve, as aves serão apresentadas ao público no zoológico paraguaio, em um recinto projetado para seu bem-estar e desenvolvimento — um espaço pensado para que possam exibir comportamentos naturais e, quem sabe, inspirar visitantes a entender a complexidade da conservação.
A decisão de expor essas harpias vem acompanhada de responsabilidade: o local foi projetado com equipe técnica binacional e com atenção às necessidades comportamentais e ao estímulo ambiental. Expor não é simplesmente mostrar — é educar e conectar.
O que a sociedade pode fazer
Proteger a harpia é uma tarefa coletiva. Políticas que preservem e conectem fragmentos florestais, fiscalização contra a caça e investimentos em programas de reprodução e reintrodução são passos essenciais. Mas também há um componente íntimo: reconhecer na harpia parte do nosso patrimônio cultural e natural — e assumir essa proteção como um gesto moral e histórico.
Quando uma criança vê uma harpia em voo no vídeo de um refúgio, quando um visitante lê a placa sobre Cinquentinha e Pangeia, algo muda: nasce a consciência de que aquilo que admiramos pode desaparecer se não o cuidarmos. A educação ambiental, somada à ação técnica, cria o terreno onde a espécie pode, de fato, renascer.
Nenhum comentário:
Postar um comentário