Quando o futuro pousa: como o Exército moderniza sua aviação com Black Hawks e Airbus H145M — e o que isso significa para o Brasil
![]() |
UH-60M Black Hawk - Divulgação |
O dia em que um helicóptero decola sempre carrega uma pequena ansiedade: o barulho nos lembra que alguém parte e que, talvez, alguém será salvo. Em junho, essa ansiedade ganhou rosto e nome. O Major Guilherme, do 4º Batalhão de Aviação do Exército (4º BAvEx), voltou dos Estados Unidos com duas formações que simbolizam, em microcosmo, a gigantesca transição que o Exército Brasileiro está vivendo — e que atravessa desde os hangares até as comunidades que dependem da presença aérea.
Entre janeiro e junho, o Major concluiu o Aircraft Qualification Course – Transition — o curso que habilita pilotos à transição da versão UH-60L para a UH-60M — e o Maintenance Test Pilot Course, voltado para certificação pós-manutenção e verificação segura da aeronave. Não é só técnica: é a preparação de pessoas responsáveis por transformar ferro e hélice em resposta, em socorro e em presença confiável nas missões do dia a dia.
Máquinas com alma humana
Os UH-60L que hoje operam há décadas no Brasil — e que foram visitantes constantes dos céus amazônicos desde 1997 — carregam histórias de operações longas e vidas tocadas por um pouso certeiro. Mas o tempo passa e as peças, os custos e a obsolescência tornam algumas escolhas insustentáveis. A resposta encontrada combina dois vetores: incorporar 12 UH-60M Black Hawk, mais modernos, e apostar no H145M da Airbus, com produção prevista no país.
Sobre os Black Hawks: o processo de aquisição dos 12 UH-60M já consta entre as autorizações e pedidos em nível internacional, como parte do programa de renovação da aviação do Exército — uma mudança pensada para devolver confiabilidade e rapidez às missões táticas e humanitárias. 1
Produção no Brasil: cadeia produtiva, empregos e soberania
A outra perna dessa estratégia é industrial. O H145M — helicóptero multimissão reconhecido por sua versatilidade — tem um plano para ser produzido no Brasil pela Helibras, em Itajubá (MG). A intenção declarada inclui investimentos industriais relevantes para viabilizar a montagem nacional, e coloca a fabricação local como elemento central para ganhos logísticos e tecnológicos. Essa decisão tem potencial de gerar cadeias produtivas, postos de trabalho e um incremento na autonomia do país. 2
Fontes internas e especializadas indicam um cronograma de entregas que começa a se desenhar entre 2028 e 2030, com incorporações graduais que permitirão ao Exército planejar doutrinas, treinamentos e a integração das aeronaves às unidades espalhadas pelo país.
Mais do que poder de fogo: eficiência, silêncio e meio ambiente
Há uma diferença prática e sensível quando se fala em aviões mais novos: eles voam mais longe, consomem combustível de forma mais eficiente, têm aviônica embarcada que reduz a carga de trabalho da tripulação e são projetados para missões múltiplas — do transporte tático à evacuação aeromédica. Além disso, modelos como o H145M incorporam soluções de projeto — como o rotor de cauda Fenestron — que resultam em níveis de ruído inferiores aos de concepções antigas, tornando operações em áreas urbanas e comunidades menos impactantes do ponto de vista sonoro. Esses ganhos se traduzem também em menor pegada de poluentes por missão, quando comparados a versões muito antigas, porque a combinação de motores mais eficientes e aviônica moderna reduz consumo e otimiza rotas e perfis de voo.
![]() |
O H145M, da Airbus, que será produzido no Brasil - Airbus/Divulgação |
Em linguagem direta: os novos helicópteros prometem ser mais autônomos, tecnologicamente avançados, econômicos, menos ruidosos e ambientalmente menos impactantes — características essenciais para um país de dimensões continentais e de ecossistemas frágeis.
O papel humano por trás das máquinas
É fácil romantizar aeronaves. Mas a modernização depende, antes de tudo, de homens e mulheres que aprendem a confiar nos novos sistemas, que calibram instrumentos em oficinas e que assumem a responsabilidade de declarar uma aeronave apta a voar. O Major Guilherme é exemplo: seu curso de transição e sua certificação em manutenção não só lhe deram habilidades técnicas, mas garantem que as tripulações brasileiras cheguem com competência ao comando de uma frota nova.
Quando perguntamos a militares e técnicos sobre o impacto real dessa mudança, a resposta sempre volta ao mesmo ponto: tempo e confiança. Tempo para treinar, para adaptar procedimentos e para construir uma logística nacional que suporte aeronaves modernas. Confiança — nos pilotos, nos mecânicos, na cadeia de suprimentos nacional — para que o rotor que gira não seja apenas um símbolo, mas uma garantia de serviço público.
Divisor de águas
Se confirmadas em contrato e plenamente executadas, as aquisições e a produção nacional prometem transformar a Aviação do Exército (AvEx): maior capacidade de mobilidade, resposta mais rápida a catástrofes naturais, assalto aeromóvel modernizado e apoio logístico em áreas remotas. E além disso, um ganho estratégico maior: a construção de um núcleo tecnológico e industrial que permite ao Brasil reduzir dependências e projetar soberania tecnológica no setor de defesa.
Quando os primeiros UH-60M e H145M atuarem lado a lado com as tripulações brasileiras, o que veremos não será apenas a substituição de máquinas: será a realização de um projeto longo, que começa nas salas de aula e nos centros de manutenção, passa pelos hangares e chega às mãos de quem, em terra, precisa de socorro. E isto — no fim das contas — é o que justifica qualquer modernização: salvar vidas, proteger pessoas e fortalecer a capacidade de ação do país.
Nenhum comentário:
Postar um comentário