Paulinho da Força propõe “anistia light”, e joga balde de água fria no projeto para anistia geral na conspirata do 8 de janeiro
O deputado federal Paulinho da Força, relator do chamado PL da Anistia — já apelidado por ele mesmo de “PL da Dosimetria” — escalou um caminho que incomoda o núcleo duro do bolsonarismo: redução e modulação de penas, em vez de anistia ampla, geral e irrestrita. O gesto provocou reações em redes, desconforto no Palácio dos Bandeirantes e um quadro de incertezas sobre qual será o destino político do ex-presidente Jair Bolsonaro.
O gesto que acendeu a crise
Na última semana, um encontro em São Paulo — na residência de um ex-presidente — e conversas remotas com figuras do Judiciário e líderes políticos serviram como estopim para que Paulinho mudasse a linguagem da proposta. Ao substituir o termo “anistia” por “dosimetria”, ele deixou claro o objetivo: criar critérios, pesar circunstâncias e reduzir penas em vez de promover um perdão absoluto.
Para quem vive a política de dentro, essa escolha é calculada. Paulinho, com raízes sindicais e trajetória entre fábricas e negociações apertadas, adotou o tom do conciliador pragmático: se não há espaço para uma anistia irrestrita sem risco jurídico e de rejeição popular, restaria a opção de amenizar consequências — e, assim, tentar preservar alguma estabilidade institucional.
O desconforto no PL e o dilema de Tarcísio
O movimento gerou revolta entre bolsonaristas e parte do PL, que veem na anistia ampla a possível chance de restaurar direitos e habilitar a participação política de lideranças hoje condenadas. Lideranças do partido chegaram a sugerir que Paulinho poderia sofrer retaliações políticas, inclusive perder a relatoria caso o texto fuja do que defendem.
No Palácio dos Bandeirantes, o clima é de cautela. O governador Tarcísio de Freitas recebeu mensagens do relator e não fechou a porta para um encontro — mas interlocutores próximos dizem que as chances de alterar a rota de Paulinho são remotas. A avaliação interna é de que o desgaste provocado pelas pressões e pela exposição pública pesa; por isso há recomendação pela discrição e por não transformar o caso numa crise maior que a medicação política permite.
Entre o pragmatismo jurídico e a lealdade política
Há, no debate, um nó jurídico difícil de desfazer: uma anistia ampla pode colidir com decisões do Supremo, gerar contestações e ser declarada inconstitucional — algo que isolaria mais do que uniria. Daí o apetite pelo modelo “dosimétrico”: reduzir penas, criar mecanismos alternativos à prisão plena e, talvez, abrir caminho para progressões como prisão domiciliar em casos extremos.
Essa perspectiva não agrada a todos. A parcela mais radical do bolsonarismo interpreta qualquer moderação como traição; por outro lado, alas do Centrão e juristas próximos avaliam que reduzir o tom é não apenas prudente, mas necessário para que a proposta sobreviva ao crivo constitucional.
Quem é Paulinho, e por que isso importa
Paulinho da Força não é apenas um nome parlamentar: é fruto da militância sindical, das assembleias, das negociações de chão de fábrica. Sua trajetória explica parte da estratégia: quem negociou greves e acordos sabe que, às vezes, a maior vitória é não perder tudo. Assim, sua aposta na dosimetria parece guiada pela convicção de que um acordo reduzido pode trazer mais resultado prático do que uma promessa maximalista que o Judiciário e a opinião pública repudiariam.
O risco político
O risco para Paulinho é duplo. Se o texto for percebido como fraco, ele perde apoio entre os que o indicaram ao posto; se for percebido como forte demais, enfrenta resistência jurídica e a possibilidade de derrota no STF. Em ambos os cenários, o custo político é alto — e o campo conservador verá nas negociações a definição de lideranças e caminhos para 2026.
O que vem a seguir
O relator promete ouvir vários segmentos — partidos, ministros, juristas e sociedade civil — antes de apresentar o relatório final. O detalhe do texto, a redação das medidas e a forma de “dosagem” das penas decidirão não apenas o destino de um punhado de condenados, mas também a narrativa política do próximo ciclo eleitoral: acomodação, rompimento ou rearticulação de forças.
Nenhum comentário:
Postar um comentário