segunda-feira, 30 de junho de 2025

O bolsonarismo e o velho ditado: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”

“Se correr, o bicho pega; se ficar, o bicho come”: quando a Paulista já não ecoa mais os mesmos retumbares dos patriotas de boutique e daqueles que carregam em si o ranço da ditadura mesclado a traços fortes de fanatismo religioso

Ronald Stresser, para o Sulpost

 
O ato bolsonarista do último domingo (29) — esvaziado / Foto:Rovena Rosa

O sol ainda estava alto quando os primeiros fiéis e eleitores começaram a se reunir na Avenida Paulista, tradicional palco de manifestações políticas. A expectativa era de que o pastor Silas Malafaia, com sua influência entre evangélicos conservadores, atraísse uma multidão, mas o que se viu não passou de cerca de 12 mil pessoas — um público que, se comparado a anteriores mobilizações bolsonaristas, revela um inquietante derretimento no do núcleo da usina que fabricou e teve grande influência na eleição do ex-presidente Jair Bolsonaro.

Malafaia, cuja reputação entrou em xeque após denúncias veiculadas pelo ICL Notícias, do empresário e jornalista Eduardo Moreira, sobre seu patrimônio, métodos e financiamentos, ainda se mantém ao lado de figuras ligadas ao núcleo bolsonarista, mas seu prestígio parece ter perdido uma grande parte da força de outrora.

Por volta das 15h30, Jair Bolsonaro subiu no carro de som, em um discurso que misturou acusações ao Supremo Tribunal Federal — lembrando-se de ter sido chamado de "genocida", "misógino" e de "não gostar de negro", segundo ele — e falas de esperança em 2026:

“Se vocês me derem 50% da Câmara e 50% do Senado, eu mudo o destino do Brasil. Nem preciso ser presidente. Faremos isso por vocês.”

De cara fechada, em tom acusatório e visivelmente decepcionado com os números entre expectativa e realidade na Paulista, onde apoiadores anunciaram que haveria um público de mais de 100 mil pessoas. Bolsonaro lleu o discurso em um pedaço de papel, destacando a “mão pesada do STF” no resultado de 2022 e defendendo o discurso antidemocrático de que sua derrota política foi injusta.

Bolsonaro citou a transição “pacífica” elogiada por Geraldo Alckmin — “Se fosse uma tentativa de golpe, vocês não estavam aqui. Queremos justiça, pacificação, o bem do nosso país.”

A tônica do evento foi uma tentativa de rearticular o que resta da sua já desgastada imagem, agora mais isolada e longe das multidões espetaculares de anos anteriores. Em abril, na mesma Paulista, um ato a favor da anistia dos condenados por conspiração golpista chegou a 44,9 mil pessoas, segundo levantamento da USP/Cebrap e ONG More in Common — quase quatro vezes mais  .

Condenações e acusações no horizonte

O esvaziamento do "ato paladino" também ocorre enquanto Bolsonaro enfrenta graves acusações: a Primeira Turma do STF, por unanimidade, o tornou réu em março por tentativa de golpe após as eleições de 2022. Em 10 de junho, ele prestou depoimento, negando envolvimento e minimizando a retórica agressiva contra o sistema eleitoral. Na última sexta-feira, 27 de junho, o relator, ministro Alexandre de Moraes, concluiu a fase de instrução processual, abrindo caminho para as alegações finais.

Até agora, 497 pessoas já foram condenadas pelo STF por crimes como tentativa de abolição violenta do Estado de Direito, golpe de Estado e associação criminosa. Muitas seguiram o rastro do — já reduzido — núcleo bolsonarista.

Milícias, silêncio e incômoda proximidade

O núcleo mais engajado do bolsonarismo parece deslocado para um ambiente menos visível, longe dos holofotes da Paulista. Ele se consolidou justamente ao redor dos nomes que lançaram a candidatura de Bolsonaro e que, segundo relatórios e investigações, supostamente mantêm ligações com milícias no Rio de Janeiro. Essa associação escancara o isolamento político e os riscos: se por um lado essas alianças reforçam a base interna, por outro empurram o movimento para o gueto da radicalização.

O clima entre os presentes: entre o ressentimento e a desilusão

Mesmo no ato, o sentimento era misto. Muitos permaneceram como se cumprissem um dever cívico, sublinhando o discurso de "injustiça", mas poucos mostravam aquela energia celebratória de outrora. A leitura de Bolsonaro sobre a derrota de 2022 — "me processam por uma fumaça de golpe" — fez alguns aplaudirem com mais força, mas a chuva de ecos foi fraca.

Entre os apoiadores, havia quem confessasse receio de que, sem cargos e sem visibilidade, o bolsonarismo se fragilizasse ainda mais nos próximos anos — especialmente com o estigma crescente de envolvimento com milícias e o desgaste de nomes como Malafaia. E com os tribunais fechando o cerco, a esperança de que uma intervenção política ressurja em 2026 parece esvair-se.

O retrato do momento: desgaste, dispersão e encruzilhada

O ato de 29 de junho na Paulista foi a síntese de um bolsonarismo que, apesar de ainda motivado, carece do vigor e da organização de alguns anos atrás. Com 12 mil pessoas, foi menor que manifestações típicas de protesto sindical e consideravelmente inferior aos 44,9 mil de abril.

O discurso de Bolsonaro, repetindo mágoas passadas e expectativas futuras, ressoa como um lamento: “se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. Resta saber se, até 2026, ele conseguirá reconquistar terreno — ou continuará assistindo seu movimento se esvair sob o peso de processos e de prováveis condenações, aliados desgastados e acusações que acabaram visivelmente corroendo sua base.

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