Cúrcuma: o ouro da cozinha que cura por dentro e acolhe por fora
Por Ronald Stresser | SulpostEm muitas cozinhas brasileiras, ela está lá, silenciosa, discreta, repousando em potes transparentes ou saquinhos de feira, quase sempre entre o colorau e o cominho. Seu tom amarelo-ouro salta aos olhos, mas o que poucos percebem é que esse pigmento carrega muito mais do que cor: carrega séculos de sabedoria ancestral, força de raiz e um arsenal de cura que a ciência moderna apenas começou a desvendar. Estamos falando da cúrcuma — ou açafrão-da-terra, como é popularmente conhecida no Brasil — um tempero que, hoje, não deixa a desejar a nenhum medicamento.
O nome científico é Curcuma longa, e sua origem nos leva aos campos tropicais do sudoeste da Índia, onde o aroma terroso e picante do rizoma moído há gerações é reverenciado não só como condimento, mas como remédio. A medicina ayurvédica e a tradicional chinesa já sabiam: a cúrcuma cura. E agora, a ciência contemporânea confirma.
A química da cura
O segredo está na curcumina, composto ativo da cúrcuma. É ela quem pinta o curry de dourado, quem combate inflamações de dentro para fora e quem, segundo estudos da Universidade da Califórnia em Los Angeles (UCLA), melhora a memória e o humor, especialmente em pessoas com sintomas leves de perda cognitiva relacionada à idade.
"É como se a cúrcuma ativasse uma faxina silenciosa no cérebro", explica a nutricionista Amber Sommer, da Cleveland Clinic, nos EUA. “A curcumina ajuda a reduzir a inflamação nas células nervosas, além de aumentar a disponibilidade de serotonina e dopamina, neurotransmissores ligados ao bem-estar.”
Essa faxina, porém, não se limita ao cérebro. Ela percorre articulações, tecidos e órgãos, oferecendo alívio a quem convive com doenças crônicas como a osteoartrite — condição que atinge milhões de brasileiros, especialmente mulheres acima dos 50 anos. "Há pacientes que relatam melhora significativa na dor articular após incluir a cúrcuma na rotina alimentar", destaca Sommer.
O tempero que também previne
Mas os efeitos da cúrcuma não param por aí. Ela também age como um escudo. Graças ao seu poder antioxidante, combate os radicais livres — moléculas instáveis que aceleram o envelhecimento celular e podem causar doenças graves como câncer e problemas cardiovasculares. Estudos apontam que seu consumo pode contribuir para a prevenção de tumores no sistema digestivo e até reduzir o risco de doenças cardíacas.
Em Hyderabad, na Índia, onde fica um dos polos de pesquisa do Continental Hospitals, a cúrcuma é chamada de "o sol da terra". Por lá, é comum misturá-la ao leite morno antes de dormir ou usá-la em compressas contra feridas. "É um remédio natural, acessível, com ação comprovada. O difícil é acreditar que algo tão simples tenha tanto poder", diz o médico indiano Ashok Mehta, especialista em medicina integrativa.
Da panela ao coração
No Brasil, o uso da cúrcuma vai além da medicina e das receitas sofisticadas. No interior de Minas Gerais, dona Marlene, de 72 anos, mistura o pó amarelo ao arroz e diz que “ajuda no estômago e dá mais ânimo pro dia”. No Sul, ela colore a linguiça caseira e tempera o frango caipira. No Norte, vai para o tacacá. É o Brasil que, sem saber, faz da culinária um ato de autocuidado.
A cúrcuma é barata, acessível e está ao alcance de qualquer mesa. Mas, como toda boa medicina, pede respeito: seu uso em excesso ou de forma isolada, sem orientação adequada, pode não surtir os efeitos esperados. Para aproveitar seus benefícios, o ideal é combiná-la com uma pitada de pimenta-do-reino, que aumenta a absorção da curcumina em até 2.000%, segundo estudos publicados no Journal of Medicinal Chemistry.
Uma escolha de vida
Num mundo em que remédios são caros e o acesso à saúde, muitas vezes desigual, a cúrcuma surge como uma possibilidade democrática de cuidado. Ela nos ensina que, antes de medicamentos sintéticos, existem raízes. Antes de farmácias, existiam cozinhas. E que saúde, às vezes, começa com uma colher de chá.
Ao incluirmos esse tempero na rotina — seja numa sopa, num chá ou numa receita de família — também acessamos memórias, tradições e uma sabedoria que, por séculos, esteve presente na boca das avós e nas mãos de curandeiras.
A cúrcuma não promete milagres. Mas ela lembra: curar pode ser um gesto cotidiano, simples, dourado. Como o sol que nasce na Índia — e agora brilha, silencioso, em nossas cozinhas.
Fontes: Continental Hospitals, Hyderabad, Índia; Universidade da Califórnia (UCLA), EUA; Cleveland Clinic, EUA; Journal of Medicinal Chemistry; Entrevistas: Sul e Sudeste do Brasil. Edição: Ronald Sanson Stresser Junior.
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