sexta-feira, 16 de maio de 2025

Finalmente a cannabis medicinal está em vias de ser regulamentada no Brasil

Cannabis medicinal no Brasil: a regulamentação que pode mudar vidas e o alerta do jurista Diogo Busse

Por Ronald Stresser, de Curitiba.

 
Ilustração: Sulpost
 

Desde que seu filho foi diagnosticado com epilepsia refratária, em 2018, a farmacêutica Rosana Duarte convive com uma angústia que só encontrou alívio em um frasco importado, adquirido a duras penas: o óleo de cannabis. “Ele passou a ter uma vida normal. As crises praticamente cessaram. Mas o custo é absurdo. R\$ 2 mil por mês. A gente se endivida, mas não pode parar”, conta, emocionada, de Belo Horizonte.

Rosana representa milhares de famílias brasileiras que dependem da cannabis medicinal para garantir dignidade a seus entes queridos. E é justamente por essas famílias que o Brasil vive, neste momento, um capítulo histórico. Após anos de espera, batalhas judiciais e histórias de sofrimento silenciado, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) finalmente colocou na mesa uma proposta concreta: uma minuta que pode regulamentar, pela primeira vez, o cultivo de cannabis em solo brasileiro para fins medicinais e industriais.

Esse movimento não acontece por acaso. É fruto de uma decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ), que, em novembro de 2023, determinou que o governo federal criasse as regras necessárias para permitir o plantio dentro de um prazo de seis meses. O relógio corria para quem sofre. Agora, com a minuta em debate, acende-se uma fagulha de esperança para milhares de brasileiros que há muito enxergam na cannabis não uma polêmica, mas uma chance de viver com menos dor. A minuta, vazada esta semana, foi recebida com expectativa por pacientes, empresas e especialistas, mas também com críticas.

“Não é sobre o usuário, é sobre o mercado”

Diogo Busse, jurista e um dos maiores especialistas do país em políticas sobre drogas, acompanha de perto os bastidores da regulamentação. Representante da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC) no Conselho Nacional de Política sobre Drogas (Conad), ele fez um alerta em vídeo nas redes sociais: o cultivo será restrito a pessoas jurídicas previamente autorizadas, com produção voltada ao mercado.

“Estamos falando de empresas que vão cultivar, extrair insumos farmacêuticos e colocar medicamentos em circulação para lucrar com isso”, explica. Segundo ele, o foco não é o uso recreativo nem o autocultivo: “Essa é uma discussão legítima, necessária, mas que não está na mesa agora. O que está sendo regulamentado é o cultivo industrial, sob rigorosos critérios do Ministério da Agricultura”.

Um desses critérios é a exigência de registros complexos como o Renazém (Registro Nacional de Sementes e Mudas) e o RNC (Registro Nacional de Cultivares), além do controle sobre o teor de THC. Isso indica, na visão de Busse, que o governo quer apostar no cultivo indoor, sob luz artificial, o que pode contrariar a vocação natural do Brasil. “Perdemos nossa maior vantagem competitiva: a luz solar. Mas é uma decisão que ainda pode evoluir”, pondera.

Um país que começa a despertar

A movimentação institucional não é isolada. Em abril, o Conselho Nacional de Política sobre Drogas recomendou oficialmente a regulamentação da cannabis medicinal e do cânhamo industrial no país. A decisão abre caminho para que as normas ganhem força e possam ser harmonizadas com as diretrizes internacionais de saúde pública e direitos humanos.

Mas nem todos os atores do setor estão satisfeitos. Especialistas ouvidos pelo portal Jota criticam a falta de diálogo amplo na construção das regras. “A Anvisa empurrou a regulação do cultivo para o Ministério da Agricultura, mas sem um plano claro de participação da sociedade civil, das associações de pacientes e dos pequenos produtores”, afirmou um dos consultores técnicos do setor.

Bel Kutner: a voz de quem vive a dor

A atriz Bel Kutner também entrou na campanha pela regulamentação. Em um vídeo comovente publicado nas redes sociais, ela pede apoio público e institucional para garantir que mais pessoas tenham acesso à cannabis medicinal. Seu filho, Davi, diagnosticado com autismo severo, teve melhoras significativas com o uso da planta. “É uma questão de saúde pública, de dignidade humana”, afirma no vídeo que já viralizou.

Bel e Rosana, em cantos distintos do Brasil, carregam o mesmo apelo: que o acesso à cannabis medicinal seja visto não como privilégio, mas como direito. Segundo a Anvisa, mais de 60 mil pacientes têm autorização para importar produtos à base de cannabis — um número que cresce ano após ano, evidenciando a urgência de políticas nacionais de produção e distribuição.

Uma nova era

A expectativa é que a regulamentação definitiva seja publicada ainda em 2025, após a consolidação das regras pelo Ministério da Agricultura. “Estamos, sim, dando um passo importante. Isso pode significar não só novos negócios, mas o mais importante: o acesso a uma medicina transformadora, que já mudou e vai continuar mudando a vida de milhares de brasileiros”, resume Diogo Busse.

O Brasil entra agora em uma nova era — ainda marcada por desafios técnicos, disputas políticas e preconceitos enraizados, mas também por esperança. Esperança de que, um dia, nenhum paciente precise escolher entre saúde e endividamento. Que nenhuma mãe precise importar alívio. E que o verde da cannabis, cultivado em solo nacional, floresça para salvar vidas.

 

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