segunda-feira, 6 de janeiro de 2025

Passagem de ônibus custa o preço do silêncio

Quando a tarifa sobe e ninguém grita: o preço do silêncio nas capitais brasileiras. Florianópolis é a capital com a passagem mais cara do Brasil 

 

© Fernando Frazão/Agência Brasil
 

Na manhã de 1º de janeiro, enquanto os fogos de artifício ainda ecoavam no céu, os moradores de Florianópolis acordaram com uma notícia que cortava como uma ressaca amarga: a passagem de ônibus havia subido para R$ 6,90. Em silêncio, as catracas giraram, e a capital catarinense se tornou a cidade com a tarifa de transporte coletivo mais cara do Brasil.  

O aumento de 15% é o maior registrado entre as capitais no início de 2025. Não houve tempo para assimilar. Anunciado na véspera do Ano-Novo, o reajuste começou a valer no dia seguinte. E assim, entre um brinde e outro, milhares de trabalhadores e estudantes passaram a desembolsar ainda mais por um serviço que muitos consideram caro, precário e excludente. 

Mas algo estava diferente desta vez. Não houve gritos nas ruas, nem cartazes erguidos em protesto. Nenhum "vem pra rua" ecoou nas redes sociais. O aumento, como tantos outros, foi aceito com a resignação de quem já não espera nada.  

A rotina do aperto

“R$ 6,90 para ir ao trabalho e R$ 6,90 para voltar. São R$ 13,80 por dia, quase R$ 300 no mês. Isso é o que eu ganho em uma semana inteira de trabalho”, calcula Ana Lúcia Mendes, diarista de 43 anos, enquanto espera o ônibus em um ponto no centro da cidade. O salário mínimo, que acaba de ser reajustado para R$ 1.420, não acompanha os custos crescentes de um transporte que, para muitos, deveria ser um direito básico, não um privilégio.  

“Não dá pra não ir trabalhar. Então, a gente vai. Deixamos de comprar outra coisa, apertamos daqui e dali. O que mais dá pra fazer?” A pergunta de Ana Lúcia não tem resposta, apenas ecoa no asfalto quente da capital catarinense.  

De 2013 a 2025: o silêncio que custa caro

É impossível não lembrar de 2013. Naquele ano, milhões foram às ruas para protestar contra um aumento de R$ 0,20 nas tarifas de ônibus em São Paulo. O grito que começou nos terminais de transporte tomou o país e, por um momento, pareceu que o Brasil havia despertado.  

Mas 12 anos depois, o que aconteceu com esse espírito? “As pessoas estão cansadas. A repressão policial, o medo de perder o emprego, a sensação de que nada muda... Tudo isso pesa. Parece que lutar não vale mais a pena”, reflete João Batista Silva, motorista de ônibus há 20 anos.  

João já viu muita coisa. Greves, protestos, confrontos. Mas também percebe a mudança. “Hoje em dia, o povo só reclama no celular. Posta no grupo da família, faz meme, e a vida segue. É como se todo mundo tivesse aceitado que as coisas são assim mesmo.”  

A normalização do absurdo

O que chama a atenção não é apenas o aumento da tarifa em Florianópolis, mas a naturalidade com que isso foi recebido. Outras capitais também registraram reajustes, como São Paulo, onde a passagem subiu para R$ 5,20. E, no entanto, o que antes seria motivo de indignação coletiva agora é tratado como mais uma notícia que se perde no fluxo do dia.  

“A gente está vivendo um momento em que o absurdo virou norma”, diz a socióloga Marisa Andrade, especialista em mobilidade urbana. “Quando uma cidade como Florianópolis, onde o transporte público já é criticado por sua falta de integração e eficiência, aumenta a tarifa para quase R$ 7, e ninguém reage, isso mostra como nos tornamos uma sociedade resignada.”  

Marisa acredita que a questão vai além do transporte. “É um reflexo de como estamos lidando com os problemas do país. Não há espaço para indignação porque as pessoas estão sobrecarregadas, endividadas, exaustas. E isso é muito conveniente para quem lucra com essa passividade.”  

Até quando?

Enquanto a catraca gira, o silêncio persiste. O que antes era um grito de revolta agora é um suspiro contido. Ana Lúcia, João, Marisa e tantos outros continuam suas rotinas, ajustando o orçamento, sacrificando outras prioridades, aceitando o que parece inevitável.

Mas será que é mesmo? Será que nos tornamos uma sociedade que aceita qualquer preço, não só no transporte, mas em todos os aspectos da vida? 

Talvez o maior custo desse aumento não esteja nos bolsos, mas naquilo que estamos perdendo como sociedade: a capacidade de questionar, de lutar, de sonhar com algo diferente. Porque, quando o silêncio custa tão caro, o preço não é só da passagem – é da nossa dignidade.

Um comentário:

  1. Sinceramente Florianópolis, sempre foi terra de gente Rica, infelizmente é assim, eles são preconceituoso, não gostam de gente que não seja igual a eles, deixar tudo bem maus caro é uma maneira de selecionar o povo que vai morrer pra la!

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