terça-feira, 19 de novembro de 2024

Infraestrutura ou ilusão? O retrato de um país parado no tempo

Traficantes preferem o Brasil pela qualidade dos nossos portos”, diz Renan Filho: A infraestrutura que fortalece o tráfico internacional e a narrativa otimista que não convence mais ninguém

 
Lula e Ratinho Jr assinam contratos de concessão de estradas paranaenses em janeiro de 2024
VALTER CAMPANATO/AGÊNCIA BRASIL
 

Na última sexta-feira (25/10), o ministro dos Transportes, Renan Filho, encerrou uma viagem pela Europa, promovendo projetos de rodovias e ferrovias a investidores estrangeiros. Entre discursos otimistas sobre infraestrutura e críticas ao legado do governo anterior, uma declaração chamou a atenção: traficantes internacionais preferem o Brasil devido à qualidade de seus portos e aeroportos.  

A fala, em entrevista à BBC Brasil, destaca um paradoxo que poucos políticos assumem: enquanto o governo celebra os avanços logísticos, a eficiência da infraestrutura brasileira facilita a expansão do narcotráfico. Mas será que a narrativa do ministro reflete um progresso genuíno, ou é uma tentativa de encobrir problemas estruturais e contradições de um governo que enfrenta dificuldades para equilibrar discurso e prática?  

Infraestrutura “admirada” ou negligenciada?

Renan Filho afirmou que a infraestrutura brasileira é "admirada mundo afora" e usada como rota preferencial para escoar drogas a Europa e Estados Unidos. No entanto, a mesma eficiência que atrai investimentos também escancara o descontrole no combate ao crime organizado. A declaração sobre a infraestrutura usada pelo tráfico foi seguida por críticas aos países vizinhos, que, segundo ele, "geram dólares" com a produção de drogas.  

A explicação, no entanto, pouco toca na responsabilidade interna. A ineficiência no combate às facções criminosas e a violência urbana, citadas pelo próprio ministro, parecem contradizer a visão otimista apresentada ao público internacional. Afinal, de que adianta ter portos e aeroportos de ponta, se eles se tornaram ferramentas para o crime transnacional?  

Rodovias em ruínas e investimentos questionáveis

Apesar do otimismo do ministro, os números são contundentes. Em 2023, o Brasil registrou o maior número de mortes em rodovias federais nos últimos seis anos. Renan Filho exaltou avanços recentes, como o aumento de rodovias em “bom estado”, mas o dado confronta a realidade de uma malha rodoviária desgastada e insuficientemente fiscalizada.  

A crítica ao programa Pro Trilhos, da gestão Bolsonaro, reforça um padrão de troca de culpas entre governos, mas sem apresentar resultados práticos. Projetos ferroviários seguem no papel enquanto o Brasil aposta em rodovias, mesmo sendo um dos maiores emissores de gases de efeito estufa no setor de transportes.  

Contradições ambientais: a BR-319

Um dos projetos mais controversos do Ministério dos Transportes, a pavimentação da BR-319, é defendido por Renan Filho como “sustentável”. No entanto, especialistas alertam que a obra pode causar desmatamento descontrolado na Amazônia, contrariando a retórica ambientalista do governo Lula.  

Para o ministro, a pavimentação atende a um direito básico de mobilidade para Manaus, mas ele ignora estudos que mostram como obras similares abriram espaço para a devastação florestal ao longo de décadas. Monitoramentos, cercas e câmeras são promessas que soam ambiciosas, mas cuja viabilidade e eficácia permanecem duvidosas.  

Lula 2026 e a posição de Renan Filho

Ao declarar apoio à reeleição de Lula, Renan Filho reforça a estratégia do governo em consolidar alianças políticas. Mas sua postura, entre louvar avanços e minimizar problemas internos, ilustra um discurso governista que nem sempre dialoga com a realidade enfrentada pela população.  

Enquanto o governo celebra investimentos e sustentabilidade, brasileiros continuam enfrentando estradas perigosas, transporte público precário e um sistema logístico que, embora eficiente, serve tanto à economia quanto ao crime organizado.  

As desculpas de sempre

A entrevista de Renan Filho evidencia uma gestão que se orgulha de avanços pontuais, mas enfrenta desafios estruturais profundos. Traficantes preferirem nossos portos e aeroportos é um sintoma de que a eficiência sem controle pode ser tão prejudicial quanto a ineficiência. A infraestrutura que o governo tenta vender ao mundo precisa, antes, funcionar para os brasileiros — e estar alinhada com as promessas de segurança e sustentabilidade que tanto se proclamam.

Enquanto Renan Filho tenta reforçar uma narrativa otimista, o cidadão comum sabe que há uma desconexão entre discurso e prática. De que adianta termos uma infraestrutura portuária de qualidade, se ela também serve para facilitar o tráfico internacional de drogas? O problema não é só dos vizinhos, como tenta argumentar o ministro. É uma questão de má gestão, falta de inteligência operacional e ausência de um plano estratégico que priorize soluções práticas.

A sensação é de que o governo sempre encontra explicações eloquentes, mas nunca transforma essas palavras em ação efetiva. O brasileiro está cansado de promessas bem ensaiadas e projetos grandiosos que se perdem na burocracia ou nos interesses políticos. O que falta não é dinheiro ou capacidade técnica, mas vontade política de resolver o que realmente importa para o país e para o povo. No início de sua gestão Lula disse: "critiquem para que a gente faça", pois críticas não faltam e o presidente, em seu terceiro e visivelmente mais fraco mandato, precisa se lembrar de que melhor do que prometer é fazer e melhor de que planejar é realizar.

Ronald Stresser, com informações da BBC Brasil.

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