Química em Nova Iorque: o encontro-relâmpago que pode reescrever a guerra comercial entre Brasil e EUA
Há encontros que parecem breves demais para mudar o curso das coisas — e, ainda assim, mudam. Foi assim, nos corredores da Assembleia Geral da ONU, em Nova Iorque: um cumprimento rápido, um sorriso, a frase pública de Donald Trump sobre uma “excelente química” com Lula — e, de repente, o que se desenhava como um choque diplomático passou a ter freios.
Uma costura discreta antes do aperto de mão
O protocolo não explica totalmente o gesto. Nos bastidores, havia costura política: enviados, interlocutores e viagens discretas — como a do enviado especial Richard Grenell a Brasília — que abriram canais e conversas antes mesmo do flagrante na ONU. Jornalismo de apuração mostrou que a cena não foi mero acaso, mas o resultado de semanas de articulação.
O pano de fundo econômico — e o “tarifaço”
A cordialidade pública chega num quadro tenso: em agosto, os Estados Unidos impuseram tarifas elevadas a parte substancial dos produtos brasileiros — movimento que pegou setores como o do café e da carne — e provocou sinais de alerta entre empresários americanos preocupados com pressão inflacionária. Mesmo assim, a economia brasileira mostrou resiliência, e a cena política interna teve efeitos inesperados.
Por que Trump recuou — e por que não totalmente
A leitura de Washington foi prática: a estratégia inicial para proteger aliados brasileiros e condicionar o resultado político de Brasília não vinha dando o efeito esperado. Em vez de enfraquecer Lula, as medidas alimentaram narrativas e — em alguns setores — reforçaram apoio ao presidente brasileiro. Ainda assim, uma saída radical do presidente americano é improvável: o objetivo parece ser reduzir a temperatura sem abrir mão completamente de instrumentos de pressão.
O que pode estar em jogo nas negociações
Diplomatas e analistas vêm mapeando áreas em que um entendimento seria factível — ao menos em termos práticos. Um dos temas mais comentados é o das chamadas “terras raras” e minerais críticos: o Brasil possui reservas expressivas desse tipo de minério, um ativo estratégico em cadeias de tecnologia e defesa, e isso atrai o olhar americano que busca reduzir dependência da China. Parcerias em mineração, tecnologia e processamento poderiam ser parte de um acordo pragmático. Ainda que haja variações em estimativas, relatórios recentes colocam o país entre os maiores detentores de reservas de elementos críticos.
Outros pontos potencialmente negociáveis incluem regulação de plataformas digitais, cooperação em segurança regional (como a crise no Haiti) e mecanismos discretos para aliviar tensões políticas internas sem recrudescer confrontos públicos. Essas tratativas, claro, exigem equilíbrio — e confiança que hoje é escassa.
O risco de um acerto frágil
Nenhuma das partes parece disposta a renunciar por completo às suas narrativas. Lula e Trump se veem, sinceramente, como guardiões de modelos concorrentes de democracia e ordem. Ambos cercam-se de conselheiros que alimentam espuma e bravatas — e ambos têm temperamentos voláteis. Por isso, diplomaticamente, o acordo mais provável é o que reduz o calor, sem apagar as brasas: isenções pontuais, manutenção parcial de medidas e trato pragmático em setores-chave.
O símbolo e o político
Há algo de teatral na cena: a ‘‘química’’ anunciada em 39 segundos na ONU virou símbolo. Para Lula, foi um aceno internacional que reforça sua estatura; para Trump, uma oportunidade de recuar sem perder a face. Para o Brasil, o teste é prático: transformar palavras em negócios que preservem soberania e não cedam a trocas simbólicas que comprometam interesses estratégicos. É, em suma, um jogo de xadrez onde um aperto de mão pode abrir ou fechar caminhos econômicos e políticos.
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