Enquanto a PM atende briga de vizinho e reclamação por barulho, outra pessoa está sendo assaltada: eis a contradição da segurança em Curitiba
Curitiba respira insegurança por entre as fachadas: enquanto um chamado por perturbação do sossego — gritos, música alta, rixa de vizinhos — atrai patrulhas, noutra rua uma vítima conta o que perdeu em segundos. No primeiro semestre de 2025, a capital registrou 48.300 crimes contra o patrimônio, número que dá a dimensão de um cotidiano interrompido a cada cinco minutos por um furto, um golpe ou um roubo.
Os números são frios; as histórias não. Para dona Lourdes, que abre sua loja na Rua XV e já ajeitou a vitrine três vezes após arrombamentos, a estatística vira memória: “Não é só o que levaram, é o susto todas as manhãs — a sensação de que a rua não é mais segura”, diz. O comerciante Marcos substituiu rotas e hábitos: “Troquei o ponto de ônibus, evito sair tarde. Mas isso não resolve a sensação”, relata. Essas vozes são a matéria-prima da insegurança cotidiana — um invisível que pesa mais do que uma tabela.
Apesar do impacto humano, há uma leitura estatística que merece ser registrada: na comparação com o primeiro semestre de 2024, quando Curitiba somou 51.450 ocorrências, houve queda de cerca de 6,1% nos crimes contra o patrimônio. No Paraná, a tendência é semelhante: os indicadores estaduais também apontaram redução. Esses recuos, quando existirem, precisam deixar de ser apenas números para se transformarem em políticas que reduzam o medo. 3
Onde se concentram as dores
Nenhum dos 75 bairros de Curitiba passou incólume: dos centros movimentados às vilas pequenas, há registros em toda parte. O Centro lidera com 6.036 ocorrências no período — o equivalente a 12,5% do total da cidade — seguido pela Cidade Industrial de Curitiba (CIC), Boqueirão, Água Verde e Sítio Cercado. A lista dos 10 bairros com mais casos concentra quase metade de todas as ocorrências, e os 20 mais afetados somam quase dois terços dos registros, segundo o levantamento. 4
Esses mapas de ocorrência não são neutros: mostram onde a cidade precisa de presença, prevenção, iluminação, transporte seguro e políticas sociais que ocupem o vazio em que o crime prolifera. Para comerciantes, trabalhadores e moradores, o que importa é menos o ranking e mais a garantia de que podem voltar ao lar e à rotina sem recalcular rotas pelo medo.
Quando a polícia é chamada para um barulho e o assalto acontece em outra rua
O cenário se repete: equipes policiais atendem queixas que vão desde vizinhos em luta até festas que extrapolam o volume — todas demandas legítimas — e, no intervalo do deslocamento, um roubo ocorre a poucos quarteirões. Especialistas afirmam que o problema não é a natureza da ocorrência, mas o dimensionamento do efetivo e a estratégia de patrulha. Em uma cidade com média de 267 crimes por dia no primeiro semestre, cada operação é uma escolha sobre onde e quando estar presente. 5
Para muitas famílias, a sensação é de que a rotina foi redesenhada pelo medo: horários mudados, trajetos alterados, portas trancadas e economia local fragilizada. “Gasto mais com segurança do que ganho com tranquilidade”, diz um comerciante do Centro, pedindo para preservar seu nome.
Meses, picos e esperanças
Ao longo do semestre, os meses de abril e maio concentraram os maiores números, enquanto junho registrou a menor incidência. Estatísticas como essa ajudam a traçar padrões, mas não curam feridas imediatas. A queda percentual em relação a 2024 é um ponto de partida: exige tradução em ação — mais patrulhamento direcionado, iluminação pública, câmeras em pontos estratégicos, investimentos em prevenção social e campanhas de denúncia segura.
O desafio é simples de enunciar e complexo de executar: transformar a redução de índices em redução do medo. Enquanto isso não ocorre, a cidade segue em disputa diária — entre quem vive, trabalha e tenta proteger o pouco que conquistou.
O que dizem os dados (transparência)
Nesta reportagem foram consultados o levantamento publicado pelo Bem Paraná com base em dados da Secretaria de Segurança Pública do Paraná (Sesp/CAPE) e relatórios oficiais do próprio governo estadual sobre variação nas ocorrências no primeiro semestre de 2025. Os recortes por tipo penal e por bairro constam no levantamento público. Para leitura direta das tabelas e números oficiais, consultamos os relatórios do CAPE/Sesp.
Lista de referência — ocorrências por bairro (1º semestre de 2025)
(Tabela de referência extraída do levantamento público — use como mapa de consulta; números são referentes ao período janeiro–junho de 2025.) 7
Bairro | Ocorrências |
---|---|
Centro | 6.036 |
Cidade Industrial de Curitiba (CIC) | 2.545 |
Boqueirão | 1.974 |
Água Verde | 1.895 |
Sítio Cercado | 1.827 |
Cajuru | 1.700 |
Rebouças | 1.528 |
Portão | 1.491 |
Uberaba | 1.268 |
Pinheirinho | 1.256 |
TOTAL | 48.300 |
Observação: a tabela acima é um recorte resumido; o levantamento original lista todas as 75 localidades com seus respectivos números e quebra por tipo de crime (furto, roubo, estelionato, receptação etc.). Para transparência e consulta direta, consultamos o levantamento divulgado no portal local. 8
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