Mais que Médicos: por que a ponte Brasil–Cuba desafia o bloqueio e salva vidas no cotidiano do SUS
Por Ronald Stresser | Sulpost
Numa manhã de sol cortante em Goiana, o barulho metálico da fábrica recém-inaugurada disputava espaço com aplausos. Ali, no coração da Hemobrás, não era apenas uma planta industrial que ganhava vida: era a promessa de um Brasil menos dependente, mais soberano e, sobretudo, mais justo com quem espera por um frasco de remédio como quem espera por ar.
Foi nesse cenário que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva voltou a mirar o que chama de injustiça histórica: o bloqueio imposto pelos Estados Unidos a Cuba, ilha que há décadas transforma solidariedade em política pública, enviando médicos a lugares onde, muitas vezes, só chega a fé do povo. “A nossa relação com Cuba é de respeito a um povo vítima de um bloqueio. Deixem os cubanos viverem em paz”, afirmou, defendendo também o Programa Mais Médicos, criado em 2013 para preencher vazios assistenciais que o Brasil conhece de cor.
Quando o consultório é um barco, uma estrada de terra, uma aldeia
O Mais Médicos nasceu para responder a uma pergunta simples e dura: quem cuida de quem está longe de tudo? Prefeitos de interior falam da dificuldade de atrair profissionais; mães contam de longas viagens por uma consulta; idosos esperam meses por um clínico geral. Entre 2013 e 2018, a chegada de profissionais cubanos, via OPAS, encurtou distâncias que a geografia brasileira teima em alargar.
Em postos improvisados e unidades básicas, não se tratava apenas de prontuários: eram histórias. A enfermeira que respirou aliviada ao ter, enfim, quem prescrevesse; o ribeirinho que aprendeu a controlar a pressão; a agente comunitária que viu o pré-natal acontecer no tempo certo. A medicina, ali, era presença — e presença, no Brasil profundo, é política pública com nome e sobrenome.
Cuba, a ilha que exporta cuidado (e enfrenta sanções)
Desde os anos 1960, Cuba envia missões médicas para o mundo. Ao longo de seis décadas, centenas de milhares de profissionais atuaram em mais de 160 países, numa política que combina solidariedade e sobrevivência econômica diante das sanções. A cada novo ataque diplomático, outra pergunta volta à mesa: o que pesa mais — um embargo ou a vida salva numa sala de consulta?
Recentemente, a escalada de pressões incluiu a revogação de vistos de servidores e ex-integrantes ligados à cooperação em saúde, repercutindo também no Brasil. Países caribenhos, como São Vicente e Granadinas, Barbados e Trinidad e Tobago, reagiram em defesa dos acordos: quem conhece a ponta sabe o que é ficar sem médico.
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