A despedida de Ozzy Osbourne: o último grito do Príncipe das Trevas que em vida manifestou o desejo de ter o corpo doado à ciência
Por Ronald Stresser | SulpostOzzy no último show em Birmingham, Inglaterra - Reprodução/Instagram |
“Sabe quando vou me aposentar? Quando eu ouvir alguém pregando uma tampa no meu caixão. E aí eu vou fazer um bis.”
— Ozzy Osbourne
Ozzy Osbourne morreu nesta terça-feira, 22 de julho de 2025, aos 76 anos. E, pela primeira vez em décadas, o mundo do rock se cala. Talvez porque, no fundo, ninguém acreditava que esse momento chegaria. Porque se havia uma coisa que parecia certa era que Ozzy sempre escaparia da morte — com uma gargalhada rouca, um gesto de rebeldia, um gole numa garrafa de uísque e uma mordida num mamífero voador qualquer.
A última vez que Ozzy subiu ao palco foi há apenas algumas semanas, em Birmingham, na Inglaterra, ao lado dos integrantes originais do Black Sabbath, naquela que se tornaria sua derradeira apresentação. O show "Back to the Beginning", realizado no estádio Villa Park, não foi apenas um reencontro. Foi um rito de passagem. Uma volta ao ponto de partida — a poucos metros da casa onde o pequeno John Michael Osbourne cresceu, no subúrbio de Aston, cobrando moedas de torcedores para "cuidar" dos carros em dia de jogo.
O show reuniu nomes lendários como Metallica, Slayer e integrantes do Guns N’ Roses e Rage Against the Machine — todos eles filhos musicais de um estilo que o próprio Ozzy ajudou a parir: o heavy metal. E como todo bom pai rebelde, Ozzy criou esse gênero aos berros, no meio da lama, entre riffs pesados, letras que desafiavam a política e uma teatralidade mística que flertava com o oculto e com a própria loucura.
A cruz, o palco e o abismo
A trajetória de Ozzy Osbourne não pode ser medida por prêmios ou números de discos vendidos — embora ele tenha os dois aos montes. A verdadeira marca de sua existência foi a sobrevivência: décadas de abuso de álcool, drogas, prisões, escândalos, overdoses, doenças, quedas quase fatais e uma convivência amarga com o mal de Parkinson. Sobreviveu a tudo, inclusive a si mesmo.
É como se Ozzy fosse uma anomalia biológica. Um corpo que ninguém acreditava que aguentaria tantos e subsequentes abusos, mas aguentou e seguiu em frente — tropeçando, balbuciando, mas sempre com o microfone na mão. Durante anos, os cientistas brincaram que seu DNA deveria ser estudado. Ele próprio dizia que queria doar seu corpo à ciência após a morte, por ter “abusado de tudo e sobrevivido”. Uma autópsia poderia, quem sabe, explicar o inexplicável.
Mas sua história privada nunca foi feita de glamour. Era o caos absoluto — às vezes divertido, muitas vezes trágico. Foi preso por urinar no Álamo vestido com as roupas da esposa Sharon. Arrancou a cabeça de duas pombas numa reunião de gravadora. Mordeu um morcego ao vivo pensando que era de borracha. Apontou uma arma para o baterista em uma “bad trip”, e acordou no canteiro central de uma rodovia de 12 pistas.
Em 1989, foi preso por tentativa de homicídio após tentar estrangular Sharon — num surto do qual não se lembrava. Anos depois, caiu de um quadriciclo, quebrou o pescoço, e descobriu que estava com Parkinson. Em 2019, uma queda agravou sua condição. Mesmo assim, ele voltou para a despedida.
O anti-herói improvável
Nos anos 2000, o mundo conheceu outro Ozzy: o das câmeras do reality show The Osbournes, que o transformaram numa espécie de Homer Simpson do Heavy Metal, com sotaque britânico e gosto por crucifixos. Aquele lar disfuncional — barulhento, afetuoso e insano — cativou milhões. Por trás do Príncipe das Trevas, estava o pai, o marido, o homem perdido entre os remédios e o riso.
Seu trono, adornado com caveiras e um morcego gigante, reapareceu no último show. Era como se ele soubesse que, enfim, estava preparando sua própria cerimônia de despedida. Sharon confirmou: seria o fim. O próprio Ozzy dizia que, desta vez, era real. Mas ainda assim, ninguém acreditava. Ozzy sempre foi o artista do bis eterno. Da volta impensável. Do “agora vai” que nunca ia.
Legado forjado no inferno e na esperança
O Black Sabbath nasceu do tédio operário, da neblina de Birmingham, da vontade de quatro garotos — Ozzy, Tony Iommi, Geezer Butler e Bill Ward — de escapar das fábricas e das buzinas. Ozzy, antes de cantar, trabalhava num abatedouro e colocava olhos de vaca nos copos dos pubs por pura diversão mórbida. Mas ele queria mais. Colocou um anúncio numa loja de discos. E o resto virou história.
A música do Sabbath falava de guerra, pobreza, fim do mundo — uma trilha sonora brutal para os filhos da classe trabalhadora britânica. E Ozzy era o seu profeta mais insano. Aqueles que o viram nos primeiros shows relatam o impossível: com uma bateria simples, um baixo, uma guitarra e uma voz vinda do além, eles faziam parecer que havia vinte músicos no palco.
Hoje, milhares choram sua morte, inclusive os jovens que herdaram o vinil de “Paranoid” das mãos da avó. Porque o heavy metal, como o próprio Ozzy, é uma herança. Um grito atravessando gerações. Um rito de passagem entre os que ousam desafiar o silêncio.
O último ato (será?)
A morte de Ozzy marca o fim de uma era. Mas também nos obriga a refletir: é possível, de fato, se despedir de alguém como ele?
Talvez não. Porque figuras como Ozzy não morrem de verdade. Continuam nos riffs, nas tatuagens, nas camisetas pretas, nas histórias de bar e nos vinis herdados como relíquias sagradas.
Ele nos deixou. Mas sua gargalhada, seu trono de caveiras, seus morcegos, suas contradições — tudo isso permanece. Para sempre.
Ozzy, enfim, descansou. Mas o barulho que ele fez no mundo... esse vai ecoar eternamente.
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💀 Homenagem póstuma a Ozzy Osbourne (1949–2025)
🖤 Príncipe
das Trevas. Herói da classe trabalhadora. Pai do heavy metal.
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