Decisão do órgão ambiental reforça compromisso com a preservação da Mata Atlântica e com os direitos das comunidades tradicionais. Projeto do Canal do Varadouro é alvo de inquérito do MPF
| Estadão |
Em um raro sopro de resistência em meio ao avanço de grandes obras sobre áreas naturais sensíveis, o Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis (Ibama) disse um firme “não” à proposta de reabrir e dragar o Canal do Varadouro, que ligaria o litoral norte do Paraná ao sul de São Paulo. A decisão, anunciada nesta semana, foi recebida com alívio por ambientalistas e comunidades locais que há meses alertam para os riscos de um projeto de alto impacto em um dos últimos respiros da Mata Atlântica.
Apelidado de “BR do Mar” por integrantes do governo paranaense, o plano incluía alargar e aprofundar um trecho de seis quilômetros entre as ilhas de Superagui e das Peças — hoje um santuário ecológico protegido — para criar uma rota turística entre Paranaguá (PR) e Cananéia (SP). A promessa era impulsionar o turismo, gerar renda e reativar antigas conexões entre as comunidades da região. Mas os custos ambientais, segundo o Ibama, seriam altos demais.
Preservar o que ainda resta
O parecer negativo foi embasado em estudos técnicos e em recomendações do ICMBio, que administra o Parque Nacional de Superagui, área diretamente impactada pela obra. A legislação ambiental brasileira não permite esse tipo de intervenção em unidades de conservação de proteção integral. A dragagem do canal, segundo o ICMBio, violaria a Lei 9.985/2000 e comprometeria o equilíbrio de um ecossistema já ameaçado.
Diante da inquietação que o projeto despertou, o Ministério Público Federal resolveu agir. Abriu um inquérito — que, por enquanto, corre em silêncio, longe dos holofotes — para entender melhor os impactos e bastidores dessa proposta controversa. A decisão do MPF não veio do nada: ela ecoa o clamor de organizações como a SOS Mata Atlântica, que há meses acompanham esse processo com o coração na mão e uma única certeza — a de que aquele pedaço raro de Brasil, entre mangues, ilhas e mata nativa, não pode ser tratado como terra de ninguém.
Governo promete insistir
Mesmo diante do parecer técnico e jurídico, o governo do Paraná já sinalizou que tentará reverter a decisão. Everton Souza, presidente do Instituto Água e Terra (IAT), autarquia vinculada ao estado, argumenta que o canal já é uma intervenção antrópica, feita nos anos 1950, e que sua reativação traria benefícios econômicos e sociais para comunidades tradicionais. “Queremos garantir que embarcações de pequeno porte possam ir e voltar com segurança. Não estamos falando de grandes navios ou uma avenida de concreto”, declarou.
Ele cita, ainda, que muitas famílias vivem isoladas por conta da atual inacessibilidade e que o turismo náutico poderia abrir novas possibilidades de renda, trazendo dignidade a populações historicamente negligenciadas. “São comunidades que sempre cuidaram do ambiente, mas enfrentam dificuldades. Precisam de oportunidades.”
Mas a que custo?
O debate, no entanto, é mais complexo do que parece. O próprio histórico do Canal do Varadouro mostra que, embora tenha sido aberto por mãos humanas no século 19, foi a natureza quem acabou por determinar seu ritmo. Assoreado ao longo das décadas, o trecho virou símbolo da luta entre progresso e preservação. Nos últimos anos, virou refúgio para espécies ameaçadas, abrigo de sambaquis milenares e exemplo de resistência ecológica.
A decisão do Ibama é, portanto, um marco. Não apenas por barrar um projeto controverso, mas por reafirmar que desenvolvimento sustentável não pode ser sinônimo de retrocesso ambiental. Em tempos de emergência climática, é essencial que o país saiba dizer “não” — e, mais importante, que tenha instituições com coragem técnica e ética para fazê-lo.
Num país onde a biodiversidade é um tesouro cada vez mais cobiçado, proteger o que resta é, sim, uma forma de avançar. E o Ibama, com sua decisão, deu uma aula de compromisso com o futuro.
*com informações do Estadão.

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