A carta inspiradora que evita o tema central da crise climática e a pressão dos ambientalistas por mais clareza nas discussões
Belém, novembro de 2025. A Amazônia será palco de uma das mais importantes Conferências do Clima da história: a COP30. O evento, que promete reunir líderes mundiais, cientistas e ativistas em um esforço conjunto contra a emergência climática, já começou a movimentar o debate global. No entanto, a primeira carta de apresentação da presidência brasileira do evento, publicada no dia 10, acendeu um alerta entre ambientalistas. Em 11 páginas de apelos por um “mutirão internacional”, o documento menciona os combustíveis fósseis – principal motor da crise climática – apenas uma vez.
A ausência do tema no centro das discussões foi recebida com cautela por especialistas. Para eles, não há como falar em soluções reais sem enfrentar o “elefante no meio da sala”. Quango falamos de emergência climática, os derivados de petróleo são os grandes vilões. A dependência mundial do petróleo e dos srus derivados, do carvão e do gás natural responde por mais de 80% das emissões dos gases de efeito estufa na atmosfera terrestre, mas, por incrível que pareça, ainda é um tabu nas negociações climáticas.
“Se a gente quiser resolver o problema, precisamos atacar a raiz dele, que são os combustíveis fósseis”, afirma um ambientalista ouvido pelo Terra. “As conferências do clima sempre patinam nesse ponto, mas já passou da hora de encarar essa discussão de frente.”
Urgência do debate e peso político da COP30
A carta assinada pelo embaixador André Corrêa do Lago, escolhido pelo presidente Lula para comandar as negociações, aposta em um tom inspirador. O documento fala da emergência climática como um “inimigo comum” e convoca esforços globais, mas evita dar nomes aos principais responsáveis pelo problema.
Para o Observatório do Clima, rede que monitora políticas ambientais, é um alívio ver a conferência sob liderança de especialistas que compreendem a gravidade da crise. Mas a falta de prioridade para a eliminação gradual dos combustíveis fósseis preocupa. “Ainda não consta na lista de prioridades da conferência de Belém”, destaca a entidade em nota.
A hesitação tem razões políticas e econômicas. O Brasil é um país-chave na transição energética, com potencial para liderar discussões sobre energias renováveis. Mas também é um grande produtor de petróleo e tem planos de explorar novas reservas, como na foz do Amazonas. Esse dilema pode explicar a escolha cuidadosa das palavras na carta oficial.
Policrise: quando tudo se sobrepõe
Enquanto as negociações diplomáticas tentam encontrar um meio-termo, a crise climática não espera. O aumento de eventos extremos – secas prolongadas, enchentes devastadoras e ondas de calor recordes – já afeta milhões de pessoas, agravando desigualdades e criando um efeito dominó em diversas áreas.
Esse fenômeno tem nome: policrise. O conceito foi criado pelo antropólogo francês Edgar Morin - durante a década de 1990. Ele descreve um mundo onde múltiplas crises se sobrepõem, se entrelaçam e se retroalimentam, tornando os desafios globais ainda mais imprevisíveis. Para Leandro Giatti, professor da Faculdade de Saúde Pública da USP, esse é o cenário atual no qual todos vivemos.
“A sociedade está entendendo a gravidade da crise climática, mas esse entendimento vem pelas consequências que já estão atingindo a população”, afirma. “O que nos falta é um plano real de ação para lidar com isso.”
Soluções que nascem na base
A resposta à policrise exige um esforço coordenado entre governos, empresas e sociedade civil. Mas, segundo Giatti, um fator essencial muitas vezes é ignorado: o protagonismo das comunidades mais vulneráveis.
“Não se trata de deixá-las resolver tudo sozinhas. Pelo contrário, as políticas públicas precisam chegar até elas. Mas essas comunidades têm um enorme poder de adaptação e auto-organização, e isso deve ser valorizado”, explica.
Em periferias urbanas e regiões rurais, estratégias de sobrevivência já estão sendo implementadas. Redes de solidariedade ajudam a mitigar impactos da fome e da crise hídrica; cooperativas de reciclagem transformam resíduos em renda; movimentos comunitários pressionam por infraestrutura de saneamento e proteção ambiental.
São ações concretas que, no dia a dia, fazem a diferença – enquanto os grandes debates internacionais ainda tateiam as questões mais espinhosas.
A COP30 e o que ainda precisa ser dito
A carta da presidência brasileira da COP30 estabelece um tom de esperança e compromisso. Mas, para ambientalistas e especialistas, falta um passo essencial: enfrentar de vez a questão dos combustíveis fósseis.
O evento em Belém pode ser uma oportunidade histórica para avançar nessa pauta. A pressão internacional já existe. O que se espera agora é que, em novembro, os líderes mundiais não apenas reconheçam o “elefante na sala” – mas finalmente decidam retirá-lo de lá.
Ronald Stresser, da redação.
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