domingo, 19 de janeiro de 2025

Alemanha também enfrenta crise econômica

Crise econômica na Alemanha: quando o motor da Europa começa a engasgar

 

Kaput: The End of the German Miracle

 

Por décadas, a Alemanha foi um símbolo de eficiência econômica, um país que soube se reinventar após a devastação da Segunda Guerra Mundial e que se consolidou como a potência industrial da Europa. O chamado Wirtschaftswunder (milagre econômico alemão) transformou o país em um gigante das exportações e em uma peça central da União Europeia. Mas os ventos mudaram, e o cenário atual expõe rachaduras profundas em um modelo que, outrora, parecia inabalável.

A tempestade econômica

A economia alemã enfrenta seu momento mais delicado desde a crise financeira global de 2008. Em 2023, o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,3%, marcando o pior desempenho econômico desde a pandemia. E as perspectivas para 2024 indicam uma nova retração, em um cenário que já afeta diretamente grandes indústrias, como as automotivas e químicas, pilares do sucesso industrial alemão.

"É como se o país tivesse ficado preso no tempo", afirma Wolfgang Münchau, diretor da EuroIntelligence e autor do livro Kaput: The End of the German Miracle. Em seu livro ele argumenta que a Alemanha, embora celebre sua tradição industrial, falhou em acompanhar as transformações tecnológicas do século 21. “O fax ainda é comum em consultórios médicos e até no Exército. Isso simboliza a resistência à digitalização que vemos em diversos setores do país.”

Um modelo obsoleto

A crise atual é multifacetada. A invasão da Ucrânia pela Rússia cortou o acesso ao gás barato que abastecia as indústrias alemãs, enquanto a ascensão da China como concorrente, e não apenas como parceira comercial, prejudicou as exportações. Além disso, a obsessão alemã com a indústria manufatureira – automóveis, máquinas e produtos químicos – deixou o país para trás em áreas como inteligência artificial e tecnologias digitais.

“O maior erro foi depender demais de mercados como Rússia e China, e de indústrias que já não estão na vanguarda da inovação”, explica Münchau. Empresas como Volkswagen, Mercedes-Benz e BMW, que antes eram sinônimo de excelência, agora enfrentam dificuldades para competir no mercado de veículos elétricos, dominado por Tesla e empresas chinesas. A Volkswagen, por exemplo, anunciou a possibilidade de fechar fábricas pela primeira vez em quase 90 anos.

Legado de Angela Merkel

Para muitos, a origem dos problemas remonta ao longo mandato de Angela Merkel, chanceler entre 2005 e 2021. Celebrada como líder diplomática e gestora de coalizões políticas, Merkel não priorizou reformas econômicas estruturais durante os anos de crescimento. Decisões como o fim da energia nuclear e o aumento da dependência do gás russo são agora alvos de críticas.

"Merkel brilhou na política externa, mas negligenciou a necessidade de modernizar a economia alemã", avalia Münchau. "Foi durante seu mandato que a Alemanha perdeu espaço em tecnologias emergentes e aumentou sua dependência de um modelo que agora está em colapso."

Impacto na Europa

A estagnação alemã reverbera em toda a União Europeia. Como principal economia do bloco, a Alemanha desempenhava o papel de motor de crescimento e contribuinte líquido para o orçamento europeu. Agora, com margens fiscais reduzidas, o país se mostra menos disposto a financiar programas de apoio, incluindo os relacionados à guerra na Ucrânia.

"Uma Alemanha estagnada significa uma Europa enfraquecida", afirma Münchau. Ele descarta a possibilidade de outro país europeu assumir o papel de liderança econômica. "A Alemanha é insubstituível em termos de tamanho e influência. Sua crise é a crise de toda a Europa."

O futuro do "Made in Germany"

A marca "Made in Germany", sinônimo de qualidade e inovação, está em xeque. Embora ainda existam empresas alemãs de destaque, o país precisa se reinventar para se adaptar à nova realidade econômica global. Isso significa investir em digitalização, inteligência artificial e tecnologias sustentáveis – áreas onde a Alemanha atualmente ocupa uma posição secundária.

Mas há esperança? Münchau acredita que o desafio é enorme, mas não impossível. "A Alemanha tem um histórico de se recuperar quando menos se espera. Mas desta vez, a adaptação exigirá mudanças profundas, não apenas econômicas, mas também culturais. O país precisa superar sua aversão à tecnologia e abraçar o futuro."

Enquanto isso, a crise econômica continua a desafiar a Alemanha e a União Europeia, colocando em xeque o papel do país como líder e referência global. O Wirtschaftswunder pode ter chegado ao fim, mas o que virá a seguir depende das escolhas que serão feitas nos próximos anos. A Alemanha já provou sua capacidade de se reinventar no passado. A questão agora é se conseguirá fazê-lo novamente.

Ronald Stresser, da redação.

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