Será a 'autonomia do Banco Central' a grande vilã que sufoca a economia popular brasileira?
Ronald Stresser / 22 de outubro de 2024Foto: energepic.com / pexels.com |
No Brasil de hoje, o custo de vida só aumenta, e a renda da maioria mal acompanha a inflação. O sistema financeiro, por sua vez, parece uma relíquia de tempos passados. Mesmo no século XXI, os juros abusivos continuam a corroer o poder de compra, levando milhões de brasileiros a se afundarem em dívidas que parecem impossíveis de pagar. Enquanto isso, os banqueiros e os gigantes especuladores internacionais das bolsas de valores, celebram lucros recordes, e a população luta para sobreviver em um sistema financeiro que parece descolado das reais necessidades das pessoas.
Agora, em seu terceiro mandato, o presidente Lula, eleito em 2022 com a promessa de promover mudanças, enfrenta um desafio enorme: os juros permanecem nas alturas, sufocando o crédito e tornando a vida dos brasileiros ainda mais complicada. Em seus últimos discursos, Lula não escondeu seu descontentamento com a Selic, fixada em 13,5%, a maior taxa de juros real do mundo. Ele chegou a questionar: "Banco Central independente, mas independente de quem?". Porém, mesmo com suas críticas, pouco mudou, e o presidente se vê limitado pela autonomia do Banco Central – uma autonomia que, na prática, parece favorecer o setor financeiro, enquanto o restante da sociedade segue prejudicado.
Bacen independente?
O argumento mais usado para justificar os juros elevados é o combate à inflação. Na prática, entretanto, o impacto tem sido devastador para a economia real: famílias afundadas em dívidas, empresas sufocadas por um crédito inacessível, e uma recuperação econômica que ainda não deslancha. A explicação oficial sempre recai sobre a autonomia do Banco Central, que deveria atuar com foco no controle da inflação. Porém, essa independência tem funcionado mais como um escudo para proteger os interesses dos bancos, enquanto o governo, que deveria estar à frente da política econômica, parece impotente, apenas assistindo.
A lei que garantiu a autonomia do Banco Central, aprovada em 2021, tinha como objetivo proteger a política monetária de influências políticas. Contudo, na prática, esse cenário trouxe mais benefícios para o sistema financeiro do que para a população em geral. Mas o que se vê é uma situação onde a regulação dos juros é intocável, como se fosse um dogma acima da Constituição e do poder do Senado, que pode, sim, processar o presidente do Banco Central em caso de má gestão - bastando para isso fosse formalizada a má gestão em forma de denúncia, ao Senado Federal, por dois membros do Copom, como por exemplo: a atual Ministra do Planejamento e Orçamento e o atual Ministro da Fazenda do Brasil.
O mito de que a Selic alta é essencial para o controle inflacionário esconde a realidade de que, com juros tão elevados, o único setor verdadeiramente beneficiado é o bancário. E beneficiado por quem?
Juros impagáveis
Para o cidadão comum, os efeitos dessa política monetária são devastadores. Qualquer brasileiro que já tenha precisado recorrer ao rotativo do cartão de crédito sabe o quanto o saldo devedor cresce rapidamente. Não é exagero dizer que os juros do rotativo transformam dívidas pequenas em montantes impagáveis, que aumentam a cada mês como um bolo no forno – mas sem o doce sabor, apenas o amargo de uma conta que parece nunca diminuir. E quando o vencimento dos boletos chega – se você não dispuser de recursos para o pagamento - junto com eles vêm os cortes nos serviços básicos, como água, luz, internet e celular. Isso sim é inflação sentida diretamente no dia a dia, agravada pelas taxas de juros e pelo peso de um sistema tributário que drena o fruto do trabalho de todos.
Os bancos, por outro lado, continuam a justificar os juros altos apontando para a inadimplência – uma justificativa rasa que não resiste à análise cuidadosa. A realidade é que os juros altos são tanto causa quanto consequência da inadimplência: taxas elevadas tornam o crédito caro, o que leva mais pessoas a se endividarem além de sua capacidade de pagamento, perpetuando um ciclo de dependência financeira que beneficia apenas os credores.
Silêncio ensurdecedor
Por que essa realidade não muda? Parte da resposta está no silêncio da mídia comercial, que raramente expõe o lado obscuro do sistema financeiro, limitando-se, algumas vezes apenas a dar aulas de educação financeira durante a programação. Pois deveriam também denunciar, pois é simples, a matemática não fecha.
Muitos dos principais veículos de comunicação têm ligações diretas com o mercado financeiro, seja por meio de participação acionária ou de dependência de financiamento bancário que compra horário comercial e merchandising. Assim, não é surpresa que o assunto dos juros exorbitantes seja abordado de forma tímida e, quando o é, muitas vezes apenas para reforçar a narrativa oficial.
Reforma urgente
O Brasil precisa de muito mais do que uma simples revisão das taxas de juros. O país demanda uma reforma profunda, tanto no sistema tributário quanto no financeiro, que enfrente as raízes da desigualdade econômica. Isso significa lidar com o desperdício de dinheiro público, as perdas internacionais provocadas pela corrupção e má gestão, e também combater o inchaço da máquina pública. No entanto, é importante fazer tudo isso sem recorrer à privatização de serviços essenciais e empresas estratégicas, que são fundamentais para garantir a independência do Brasil.
O sistema financeiro, em sua forma atual, é uma estrutura arcaica que favorece poucos - os grandes players do cassino global - às custas de todo o resto de nós. Urge repensar o sistema, tornando-o mais humano e mais sintonizado com as necessidades reais da população do nosso tempo.
Você gostaria de ser como um Boleto?
No Brasil, quem vence sempre é o boleto. Ele chega pontualmente todos os meses e, se não for pago, o resultado é a interrupção dos serviços essenciais. Se ao menos todos os brasileiros pudessem vencer como os boletos, teríamos uma sociedade mais justa e com melhores perspectivas. Mas, na prática, o que se vê são os grandes investidores da bolsa que prosperam às custas do trabalho braçal ou intelectual da imensa maioria, inclusive dos próprios agentes do mercado mundial de valores.
Chegou a hora de dizer basta. Um país não pode crescer verdadeiramente quando a população vive para pagar juros e impostos, enquanto o governo assiste, alegando que está de mãos atadas. O Brasil precisa urgentemente repensar o seu sistema financeiro para que, em vez de oprimir, ele possa finalmente servir ao propósito de melhorar a vida de todos. Afinal, como diz o ditado, “o boleto sempre vence” – mas não deveria ser às custas do bem-estar de quem o paga. Fato é que o boleto sempre vence no final.
Mas a a pergunta que fica é: a quem interessa um povo endividado e refém do sistema?
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