A queda do mito: Bolsonaro, a cada dia mais isolado, agora sofre medidas restritivas por parte da justiça e é obrigado a colocar tornozeleira
Por Ronald Stresser | SulpostBolsonaro deu entrevista as pós colocar a tornozeleira - © Foto Antônio Cruz / Agência Brasil |
Na manhã abafada desta sexta-feira, 18 de julho de 2025, o silêncio do Jardim Botânico, em Brasília, foi cortado pelo giro discreto das viaturas da Polícia Federal. Não houve sirenes, não houve espetáculo – apenas a imagem de um ex-presidente da República deixando sua residência para ser conduzido coercitivamente à Secretaria de Administração Penitenciária do Distrito Federal. Jair Messias Bolsonaro, agora réu em mais de uma frente judicial, recebeu uma tornozeleira eletrônica. "Suprema humilhação", disse ele, com voz firme diante dos jornalistas, ao deixar o local. Mas para a Justiça, não se trata de humilhação. Trata-se de soberania.
A operação desta manhã foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes, do Supremo Tribunal Federal (STF), após o que chamou de “flagrante confissão” de Bolsonaro e seu filho Eduardo sobre atos destinados a obstruir a Justiça e coagir instituições brasileiras. A decisão traz trechos de entrevistas e postagens nas redes sociais em que os dois pressionam pela aprovação de uma anistia, ao mesmo tempo em que negociam com autoridades estrangeiras – principalmente dos Estados Unidos – medidas que interferem diretamente na economia nacional. “A soberania nacional não é moeda de troca”, escreveu Moraes.
Uma tornozeleira para conter o exílio
O temor da Polícia Federal e da Procuradoria-Geral da República era claro: fuga. Desde fevereiro de 2024, Bolsonaro está sem passaporte, como precaução diante das investigações sobre uma tentativa de golpe de Estado em 2022. Nesta semana, ao comentar as sanções econômicas impostas pelo presidente norte-americano Donald Trump – taxação de 50% sobre produtos brasileiros –, Bolsonaro ligou diretamente as tarifas ao avanço de seu processo no Brasil. Condicionou, publicamente, o fim das retaliações à sua anistia. Moraes classificou esse movimento como "negociação espúria" com fins de coagir o Judiciário.
A cena da colocação da tornozeleira, ainda que sem imagens oficiais, entrou para a história como símbolo do que o ministro descreveu como “ousadia criminosa” que precisa ser contida. Pela decisão, Bolsonaro está proibido de sair da comarca do Distrito Federal, deve recolher-se em casa entre 19h e 6h durante a semana e o tempo todo nos fins de semana e feriados. Também está vetado de se comunicar com autoridades estrangeiras ou se aproximar de embaixadas.
"Jamais pensei em sair do Brasil. Nunca cogitei asilo em embaixada alguma", disse Bolsonaro, ainda de pé diante das câmeras, antes de entrar em seu veículo com o novo aparato eletrônico no tornozelo – símbolo de uma era que o Brasil insiste em superar.
A linha que separa o mito do criminoso
Não se trata apenas de um embate judicial. O que está em jogo, segundo Moraes, é a integridade do Estado Democrático de Direito. Em sua decisão, o ministro foi além das investigações do golpe: mencionou também o crime de atentado à soberania (Art. 359-I do Código Penal), um dos mais graves do ordenamento jurídico nacional.
"O que se viu foi uma tentativa de subordinar o funcionamento do Supremo Tribunal Federal ao crivo de outro Estado estrangeiro", escreveu Moraes, ao mencionar o alinhamento de Bolsonaro e Eduardo Bolsonaro com o governo Trump para pressionar as instituições brasileiras.
Em um dos trechos mais duros da decisão, Moraes cita o escritor Machado de Assis: “A soberania nacional é a coisa mais bela do mundo, com a condição de ser soberania e de ser nacional.” Não foi uma escolha retórica – foi um apelo à memória histórica do país, à sua Constituição, aos seus fundamentos.
Dólares em espécie e pen drive no banheiro
Durante a operação que culminou na medida cautelar, a PF encontrou US$ 14 mil e R$ 8 mil em espécie na casa de Bolsonaro. Questionado sobre os valores, ele afirmou: “Sempre guardei dólar em casa, posso comprovar a origem.” Já sobre um pen drive encontrado em um banheiro da residência, preferiu o silêncio: “Não tenho conhecimento.”
A investigação se soma à Ação Penal 2668, que reúne outros oito acusados entre militares e civis ligados ao núcleo bolsonarista. Todos são suspeitos de ter arquitetado uma tentativa de ruptura institucional para manter Bolsonaro no poder mesmo após sua derrota nas urnas.
Ferida aberta na democracia
Desde a redemocratização, nenhum ex-presidente havia usado tornozeleira eletrônica. A imagem de Bolsonaro, ladeado por seguranças e com a postura desafiadora que o caracteriza, representa mais que um episódio individual: é o retrato de um país em disputa consigo mesmo.
De um lado, instituições que ainda sangram com as feridas abertas pelas ameaças golpistas. Do outro, uma base radicalizada que segue alimentada por narrativas de perseguição e vitimização.
A decisão do STF, endossada pela PGR e pela Polícia Federal, marca um ponto de inflexão. Não apenas pela simbologia da tornozeleira, mas pela reafirmação de que soberania, democracia e Justiça não são negociáveis – nem mesmo com ex-presidentes.
A pergunta que ecoa nesta sexta-feira, entre as sombras de Brasília e os corredores do Supremo, não é apenas sobre o futuro de Bolsonaro. É sobre o quanto o Brasil ainda terá de caminhar para cicatrizar as feridas deixadas por aqueles que, um dia, juraram defender a Constituição.
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