Quando a “cura” vira veneno no coração das instituições
Nos últimos anos, a constelação familiar ganhou fama como método de “cura” dos conflitos mais profundos. A promessa? Mudar vidas. Acontece que, na grande maioria dos casos, é a pessoa que acaba se perdendo — e não apenas ela: todo o tecido familiar e até a democracia podem ser colocados em risco e sair fragilizados.
Uma técnica sem respaldo e com consequências reais
Desde 2023, o Conselho Federal de Psicologia se posicionou com firmeza: constelação familiar não é terapia, é pseudociência. Sua nota técnica diz claramente que a prática inviabiliza a violência doméstica, viola leis como a Maria da Penha e pode revitimizar mulheres e crianças. E isso não é palavreado técnico: é a constatação de que mulheres que tentam resolver conflitos podem sair culpadas por serem vítimas, com traumas expostos sem acolhimento profissional adequado.
Justiça contaminada e decisões no campo místico
Ha casos de cortes do judiciário e de contas, pelo país, que suscitam ainda mais críticas ao uso dessa prática no próprio judiciário, que deveria sim é proteger a liberdade de pensamento e expressão.
No Pernambuco, segundo publicação do CNJ, uma magistrada convocou partes de um processo a participarem de “palestra vivência” de constelação, sob pena de prosseguimento do caso. Na Bahia, decisões sobre guarda de crianças citaram figuras como “campo morfogenético” e ensinamentos místicos de Bert Hellinger, natural da Alemanha nazista, em detrimento de pareceres técnicos do Ministério Público.
Imagine o estrago: uma prática que substitui o direito de expressar livremente o que se pensa pelo que “vem” de um campo etéreo. Resultado? Vítimas intimidadas, padres deixando de ser vítimas de judicialização sexista, e parlamentares com o voto amarrado por técnicas com viés patriarcal e que podem até esconder objetivos escusos ou muitas vezes realmente questionáveis. A CF de 88 precisa ser respeitada no que tange à liberdade de pensamento, expressão e escolhas.
Pressão no CNJ, no Legislativo e no Ministério Público
O Conselho Nacional de Justiça (CNJ) já analisou limitar o uso da constelação no Judiciário — freando casos como o de vítimas de violência doméstica serem obrigadas a participar. No Legislativo, leis nas assembleias de São Paulo vetam a prática em órgãos públicos, e o PL 2166/24 na Câmara tenta proibir a constelação no âmbito judicial, baseado no parecer do Conselho de Psicologia.
Ainda precisa? O Ministério dos Direitos Humanos formou, em novembro de 2023, um grupo de trabalho sobre o tema — disparado por carta de pesquisadores que corajosamente denunciaram a prática como abusiva.
O risco invisível: contaminação do Congresso
O mal não para por aí. Segundo fontes fiáveis as constelações já podem estar influenciando o Congresso Nacional, governos estaduais e talvez até o executivo. O senador Eduardo Girão promoveu debate sobre a técnica, misturando medições científicas com espiritualidade, o que criou uma falsa polêmica, mascarando acordo científico de que se trata de pseudociência.
E, com isso, corre-se o risco real de que legisladores usem a prática para conduzir decisões de bancada, no chamado “voto sistêmico”, em nome de uma "cura" que tira o livre pensar e pode sim conduzir decisões e votos — isso não apenas fere o direito constitucional de expressão, mas ameaça a própria democracia que está diretamente ligada à liberdade de pensamento e escolha.
O mistério do Silvio de Almeida
E se tudo isso estiver ligado ao remoto, mas grave, caso do ministro dos Direitos Humanos, Silvio de Almeida? Ele teria se afastado em meio a denúncias de contaminação sistêmica? Do pedido de investigação feito à PF devido às denúncias de abusos? Ainda não há confirmação. Oficialmente ele foi afastado por suposto assédio sexual. Entregando, a suspeita cresce quando se sabe que o ministério criou comissão para avaliar constelações — e, no mesmo compasso, as investigações deram um passo atrás. Coincidência? Acredito piamente que não e que inclusive a prática vem se espalhando em diversos setores da sociedade.
E onde fica a razão?
Advogados, como Luiz Kignel (PLKC Advogados), ressaltam que constelação mistura subconsciente com qualquer intenção de mediação — algo sem respaldo, diferente da mediação tradicional, que discute fatos e busca campos mentais diversos como é a raça humana, na qual não existem dois biotipos iguais.
No CNJ, o relator votou para restringir o uso justamente por ser uma prática dogmática, mística, misógina e algumas vezes misandrica, que sequer permite consentimento livre e esclarecido. Ao meu ver isso está mais para curra do que cura da psiquê humana.
Em estados como SC, o Judiciário proibiu o uso nos casos de violência contra a mulher — e partiu de recomendação do CNJ.
Também há relato de casos onde essa prática — bastante discutível, obscura e nascida na Alemanha da segunda guerra mundial — é usada para efemérides como o convencimento das vítimas a abandonarem hábitos como tabagismo e etilismo. Costumes que precisam também ser respeitados, pois tratam de escolhas pessoais, perfeitamente legais, embora a parte mais puritana e conservadora da sociedade às condene.
A urgência da transparência e do ceticismo
Não se trata de atacar quem busca soluções para traumas, mas de defender que essas soluções sejam baseadas em ciência, ética e respeito ao indivíduo, que compreende seu íntimo como parte sagrada do ser — a República precisa ter garantida sua liberdade do exercício do livre pensar, sem amarras hipnóticas, entendimento, sem subserviência a dogmas, e direitos, sem violação à Carta Magna que nos garante muito mais direitos que deveres.
A constelação familiar, como está sendo praticada, não só falha em proteger vulneráveis, mas ameaça esvaziar o livre pensar de pessoas, magistrados e até parlamentares. E, como defendemos, energias ocultas não podem conduzir o pensamento da população e a República — muito menos o Congresso, ou a Justiça. Basta de massificação e bovinização de mentes e vontades. Não somos um gramado que precisa estar aparado em cada folha de grama para que a bola role suave enquanto jogadores milionários jogam sobre nossas cabeças.
Chegou a hora de erguer a voz — lobby, espiritualidade, técnica psicóloga ou não — exigiindo: ou uma regulamentação rigorosa, com base em provas e que posa ser devidamente fiscalizada, ou o banimento dessas técnicas, sempre que injetadas em decisões que vão desde a esfera cidadã até às mais elevadas autarquias públicas. Porque terapeuticamente falando, convém à democracia e a todos os princípios de liberdade que cada um pense por si.
Editorial
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