Carnaval, cachês e política: os bastidores da polêmica envolvendo a ministra Margareth Menezes
Por Ronald Stresser*, da redaçãoMargareth Menezes, ministra da Cultura, ao lado de Lula - Divulgação/PT |
A ministra da Cultura, Margareth Menezes, brilhou nos trios elétricos do Carnaval de 2025, mas, nos bastidores, sua participação na festa gerou um debate acalorado sobre ética, dinheiro público e a linha tênue entre o cargo político e a carreira artística. Com cachês que somam R$ 640 mil pagos por prefeituras de Salvador e Fortaleza, além de outros valores ainda não revelados pelo governo da Bahia, Margareth se tornou o centro de uma polêmica que atravessa as fronteiras do entretenimento e da administração pública.
A ministra-artista e os contratos sem licitação
Margareth Menezes, além de ministra da Cultura, é uma das vozes mais icônicas do axé music. Durante o Carnaval, ela realizou sete apresentações em Salvador e Fortaleza, sendo três bancadas pelas prefeituras locais, três com apoio do governo baiano e uma de caráter privado. Todos os contratos foram firmados sem licitação, utilizando a modalidade de inexigibilidade — procedimento legal para contratações artísticas quando se trata de um artista específico.
Mas, o que chamou a atenção foi que os pagamentos vieram de entes públicos, enquanto Margareth ocupa um cargo que, entre outras funções, gerencia as políticas culturais e os recursos para a área.
A questão se torna ainda mais delicada porque, em 2023, a Comissão de Ética Pública da Presidência da República (CEP) emitiu um parecer afirmando que um ministro que cuida de verbas para um setor não pode ser beneficiado pessoalmente por esses recursos. Mas o entendimento mudou.
Flexibilização na comissão de ética
A CEP, que hoje tem maioria de integrantes indicados pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), flexibilizou as regras. Em nova decisão, permitiu que Margareth pudesse se apresentar e receber dinheiro de estados e municípios, desde que não houvesse uso de verbas federais.
“Desde que inexista qualquer influência da ministra na destinação de recursos públicos estaduais ou municipais em favor de sua contratação, não há configuração de conflito de interesses”, justificou Manoel Filho, atual presidente da Comissão e ex-advogado de Lula.
Mas, para críticos, a situação levanta dúvidas sobre a real independência do órgão e sobre como essa nova interpretação pode abrir brechas para situações semelhantes no futuro.
Férias para cantar
Para evitar conflito de interesses mais evidente, Margareth pediu férias ao presidente Lula durante o período carnavalesco. Inicialmente, Lula concedeu apenas dois dias (27 e 28 de fevereiro), mas, posteriormente, ampliou o período para começar em 24 de fevereiro.
A estratégia seguiu a orientação da Comissão de Ética, que determinou que a ministra só poderia se apresentar fora do horário de expediente.
Sociedade alternativa
As contratações de Margareth foram feitas pela empresa Pedra do Mar Produções Artísticas LTDA, que tem exclusividade na gestão da carreira da cantora. A artista era sócia da empresa até agosto de 2024, quando repassou suas cotas para sua empresária, Jaqueline Matos de Azevedo.
A mudança societária foi interpretada por especialistas como uma tentativa de evitar um conflito de interesses mais explícito. No entanto, como Margareth ainda tem sua carreira administrada pela mesma equipe de antes, o debate sobre a real separação entre a artista e a ministra continua.
Quanto custou cada show e quem pagou?
Em Salvador, a prefeitura pagou R$ 290 mil para Margareth cantar em dois eventos: a abertura oficial do Carnaval e o tradicional Trio Pipoca. Já em Fortaleza, a artista recebeu R$ 350 mil por uma apresentação na terça-feira de Carnaval, valor que incluiu cachê, despesas da equipe e impostos.
O governo da Bahia também financiou três apresentações da cantora, mas não divulgou os valores pagos, o que gerou ainda mais questionamentos sobre transparência.
O que diz a ministra?
Em nota, a assessoria de Margareth Menezes defendeu que todas as contratações foram feitas dentro da legalidade e reforçou que ela não recebeu dinheiro de recursos federais.
"Margareth exerceu sua profissão de cantora fora do horário de trabalho, garantindo que suas apresentações não interferissem nas responsabilidades do seu cargo, seguindo todos os preceitos legais", afirmou o comunicado.
O governo da Bahia, por sua vez, alegou que os patrocínios concedidos para os eventos onde Margareth se apresentou foram feitos sem vínculo direto com a artista.
Impacto político e futuro da ministra
O episódio levanta um debate maior sobre as fronteiras entre vida pública e privada quando um artista assume um cargo político. A flexibilização das regras pela Comissão de Ética abre precedentes para que outros ministros também conciliem carreiras paralelas com a administração pública.
Nos corredores de Brasília, aliados do governo minimizam a polêmica, argumentando que Margareth é uma artista de renome e que sua participação no Carnaval não comprometeu sua função como ministra. Já opositores enxergam na situação um caso clássico de conflito de interesses, que enfraquece a credibilidade do governo na gestão de recursos culturais.
Se a polêmica terá desdobramentos concretos, como uma investigação mais profunda ou até mesmo uma mudança no entendimento da Comissão de Ética, ainda é cedo para dizer. O que é certo é que Margareth Menezes segue dividindo holofotes — no palco e na política.
*Ronald Stresser é radialista, jornalista, editor do Sulpost e trabalhou por anos junto ao setor artístico e cultural no Rio de Janeiro.
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