Resistência antimicrobiana: uma das maiores ameaças do nosso tempo
Por: Ronald Stresser / Setembro 2024Cientistas argentinos estudam amostras para rastrear e controlar o surgimento de superbactéria | OMS/Sarah Pabst |
O avanço das superbactérias, microrganismos multirresistentes que desafiam a eficácia dos antibióticos, é uma das crises sanitárias mais alarmantes do nosso tempo. A Organização Mundial da Saúde (OMS) estima que 1,3 milhões de pessoas morrem anualmente devido à resistência antimicrobiana (RAM). No entanto, essa questão não se limita apenas à saúde: as agressões humanas ao meio ambiente estão diretamente ligadas à proliferação dessas superbactérias.
Alerta Global
Durante a reunião de Alto Nível da Assembleia Geral da ONU em setembro de 2024, líderes mundiais aprovaram uma Declaração Política comprometendo-se a intensificar o combate contra a RAM. A aprovação unânime foi um marco, porém, especialistas alertam que muito mais precisa ser feito. Tedros Ghebreyesus, diretor-geral da OMS, destacou que estamos diante de uma ameaça real e imediata que pode “reverter décadas de progresso médico”.
As superbactérias, capazes de resistir a múltiplos antibióticos, são um risco crescente nos hospitais, onde tratamentos comuns já não têm o mesmo efeito. Isso expõe pacientes a complicações fatais, prolongando internações e aumentando os custos de saúde pública. Mas como a ação humana está acelerando esse processo?
Emergência climática e superbactérias: conexão perigosa
Segundo Inger Andersen, diretora do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, a resistência antimicrobiana é uma consequência direta das "tripla crise planetária" — mudanças climáticas, perda de biodiversidade e poluição. Ela explica que os padrões insustentáveis de consumo e produção estão impulsionando essa crise. A poluição dos corpos d'água com resíduos de antibióticos usados em fazendas e hospitais cria um ambiente perfeito para que bactérias mutem e se tornem resistentes.
Por exemplo, o despejo inadequado de produtos farmacêuticos e dejetos de fazendas industriais em rios e oceanos facilita a disseminação de superbactérias para o meio ambiente. Esse processo não apenas contamina ecossistemas inteiros, mas também acaba impactando a saúde humana, pois essas bactérias podem retornar para a cadeia alimentar ou contaminar fontes de água potável.
Indústria pecuária e abuso de antibióticos
Outro ponto crítico é a criação intensiva de animais, onde antibióticos são usados em larga escala para prevenir doenças em condições de superlotação. Essas substâncias não apenas atingem os animais, mas também se infiltram no solo e nas águas, acelerando o desenvolvimento de resistência em patógenos.
As práticas agrícolas insustentáveis, associadas ao desmatamento e à destruição de habitats, contribuem para a disseminação de superbactérias em novas regiões. O contato cada vez mais próximo entre humanos e animais selvagens facilita a transmissão de doenças resistentes, criando um ciclo perigoso e difícil de interromper.
Impacto socioeconômico
As repercussões da RAM vão além da saúde: são um fardo econômico gigantesco. A vice-secretária-geral da ONU, Amina Mohammed, destacou que essa crise global gera um custo de US$ 800 bilhões por ano em tratamentos médicos e perda de produtividade. "Não se trata apenas de vidas perdidas, mas de famílias destruídas e futuros roubados", afirmou, sublinhando que o combate à RAM é um "imperativo moral".
Os países de baixa e média renda, já fragilizados por sistemas de saúde subfinanciados, enfrentam o maior peso dessa crise. Com poucos antibióticos novos em desenvolvimento, essas nações ficam ainda mais vulneráveis à propagação descontrolada de infecções que não respondem aos tratamentos convencionais.
Caminho adiante
A aprovação da Declaração Política na ONU foi um importante primeiro passo, mas a ação precisa ser imediata. Ghebreyesus fez um apelo para que todos os países implementem as medidas acordadas até 2026, com ênfase em mais investimento e desenvolvimento de novos antibióticos.
A proteção do meio ambiente e o combate à RAM estão interligados de maneira profunda. A poluição e o manejo inadequado dos recursos naturais estão criando condições propícias para o surgimento de superbactérias, e, sem uma mudança radical nos padrões de consumo e produção, as gerações futuras poderão enfrentar uma era pós-antibiótica, onde até mesmo infecções simples se tornam fatais.
Chamado urgente
A mensagem da comunidade científica é clara: proteger o planeta é proteger a nossa saúde. Precisamos de práticas agrícolas sustentáveis, uso responsável de medicamentos e uma gestão ambiental que minimize o impacto da poluição. A negligência com o meio ambiente tem um custo alto — não apenas para a biodiversidade, mas também para a vida humana.
A batalha contra as superbactérias não pode ser vencida sem que governos, empresas e cidadãos tomem medidas firmes para frear a degradação ambiental. Caso contrário, estaremos preparando o terreno para um futuro onde os avanços médicos dos últimos séculos podem se tornar irrelevantes diante de infecções incontroláveis.
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