sábado, 28 de setembro de 2024

Curitiba continua sendo a Capital Ecológica do Brasil?

Ecocídio: em "nome do progresso" mais de 300 árvores saudáveis serão cortadas em Curitiba

Por: Ronald Stresser / Setembro de 2024 / Atualizada em 28 de setembro, às 19:33

 

 

Curitiba, cidade outrora aclamada como a "Capital Ecológica do Brasil" durante as gestões de Jaime Lerner e Roberto Requião, enfrenta hoje um impasse ambiental que desafia seu legado verde. O corte planejado de mais de 300 árvores. incluindo aracuárias, na Avenida Presidente Arthur Bernardes tem gerado uma onda de protestos liderada pelo movimento "SOS Arthur Bernardes", que clama por alternativas sustentáveis para o desenvolvimento urbano. A situação escancara um contraste evidente entre a Curitiba idealizada, famosa por suas inovações urbanísticas, e a realidade atual, que parece desprezar o patrimônio natural que antes a consagrou.

Em tempos passados, Curitiba era uma referência mundial em planejamento urbano sustentável. A cidade não apenas integrava soluções inovadoras para mobilidade e áreas verdes, mas também criava espaços que favoreciam a convivência com a natureza, um exemplo claro disso é o projeto de corredores de transporte que harmonizava a infraestrutura urbana com a preservação ambiental. Esse espírito, no entanto, parece ter sido relegado ao passado.

O coração verde da Arthur Bernardes

A proposta de cortar árvores saudáveis, imponentes e centenárias da Avenida Arthur Bernardes, desperta memórias do conto “Em busca de Curitiba perdida”, de Dalton Trevisan. Em suas palavras, ele descreve duas Curitibas: a primeira, para "inglês ver", voltada para uma imagem perfeita, moderna e positiva; a segunda, a Curitiba real, com suas peculiaridades, histórias e, muitas vezes, suas contradições. O plano de cortar essas árvores parece personificar essa dualidade: de um lado, o discurso oficial de progresso, de outro, o clamor popular pela preservação de uma Curitiba autêntica, enraizada em sua relação com a natureza.

As árvores ameaçadas de corte não são apenas componentes estéticos da paisagem urbana. Elas desempenham funções essenciais na manutenção da qualidade do ar, regulam a temperatura, reduzem a poluição sonora e abrigam espécies da fauna local. "Não se trata de árvores versus transporte coletivo, mas de árvores e transporte coletivo versus o transporte individual", explica Laís Leão, arquiteta e urbanista do movimento "SOS Arthur Bernardes", ao defender que a modernização da mobilidade pode ser realizada sem sacrificar o verde da cidade.

Passado de respeito ao meio ambiente

O ex-governador Roberto Requião, que plantou 80 milhões de árvores durante sua gestão no Paraná, participou ativamente do movimento, assinando uma carta de compromisso para barrar o corte e buscar soluções sustentáveis. "O cuidado com o meio ambiente é a minha causa acima de qualquer coisa", afirmou Requião, lembrando sua trajetória de defesa da biodiversidade. Ele reforça a necessidade de unir desenvolvimento e preservação, valores que, segundo ele, a cidade sempre representou.

No entanto, muitos moradores e ativistas acreditam que essa postura não está mais refletida nas ações da atual gestão da cidade. Verônica Rodrigues, artista e ativista, expressou indignação com a ausência de autoridades, como o Ministério Público e a Defensoria Pública, em audiências sobre o tema. "Estamos sendo ignorados", lamenta, em meio à crescente sensação de que a cidade que já foi exemplo de gestão ambiental está agora virando as costas para sua própria essência.

Impacto climático e socioambiental

As consequências do descaso ambiental em Curitiba são visíveis. A impermeabilização de grandes áreas, como ressaltado por Laís, contribui diretamente para enchentes cada vez mais frequentes. Além disso, o aumento das queimadas no Paraná em 2024, com um salto de 132% nas ocorrências, alerta para a fragilidade dos ecossistemas locais, impactados pelas mudanças climáticas e pela falta de políticas eficazes de preservação.

Adriana Carneiro, engenheira química e moradora da região, destacou que os estudos de impacto ambiental não foram adequadamente apresentados pela prefeitura, o que levanta suspeitas sobre a legalidade do processo de licitação e execução das obras. "A audiência pública promovida pela prefeitura foi mais uma propaganda do que um debate real sobre os efeitos do projeto", comentou Adriana.

Árvores curitibanas: patrimônio ameaçado?

Na discussão sobre o impacto das obras de reurbanização em áreas verdes de Curitiba, o movimento S.O.S. Arthur Bernardes vem ganhando mais destaque a cada dia. Resistência contra a destruição planetária, a mobilização liderada por ambientalistas, artistas, moradores e figuras públicas, busca frear a intervenção da prefeitura em áreas que, segundo o grupo, deveriam ser preservadas.

Verônica Rodrigues, atriz e ativista verde, expressou sua indignação com o projeto durante a mais recente manifestação. "Mas a minha maior indignação foi sobre a prefeitura não ter ido à audiência pública, posto que é responsável pela obra. E, sobretudo, entender como pode ser possível que uma obra que vai custar, aos cofres públicos, cerca de 700 milhões de reais e impactar a vida de milhares de pessoas, possa ter passado na licitação sem fazer audiências públicas em todos os lotes do projeto", afirmou Verônica, em referência à obra que planeja transformar em paisagem distópica uma boa parte da Av. Arthur Bernardes.

Para muitos, a falta de audiências públicas suficientes é um sintoma da desconexão entre a prefeitura e os cidadãos. A preocupação com a preservação de árvores históricas e o impacto ecológico da obra está no centro das críticas, ganhando agora repercussão nacional.

Luta pela Curitiba de todos nós

O futuro de Curitiba parece se dividir entre duas vias: uma que promove o desenvolvimento urbano a qualquer custo, que representa mais do mesmo, e outra via, que busca conciliar progresso com sustentabilidade como já realizado em outras gestões.

Assim como Trevisan viajava pela Curitiba real e aquela "para inglês ver", os moradores e ativistas atuais estão tentando proteger a cidade que amam, antes que ela se transforme irreversivelmente em algo irreconhecível. A Curitiba das praças, parques e pinheiros está em risco, mas, assim como o Burro Brabo, personagem do conto de Trevisan, a resistência de seus cidadãos pode ser o fator decisivo para preservar o que resta do coração verde da cidade.

Com eleições municipais se aproximando, o futuro ambiental de Curitiba está em jogo, e a luta para preservar suas árvores e sua alma ecológica está longe de terminar. A questão vai além da preservação de árvores: é uma batalha pela identidade de Curitiba, entre progresso e preservação, entre a cidade real e aquela que tentam vender como modelo de modernidade, com a etiqueta importada de "Smart City".
 


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