Enquanto atravesso a fronteira, vejo uma pessoa segurando uma placa que diz ‘Ljubjiana.’ Fiquei um pouco confuso com as luzes, os oficiais, as placas, os pedágios – com a Eslovênia em geral. Especialmente todas aquelas consoantes e nenhuma vogal me deixam muito agitado.

Acordei lentamente, cansado. Olhei para o lado e vi o copo de plástico branco. Estava ainda cheio com o vinho tinto que o Mombo havia me dado ontem de madrugada. Mombo trabalhava às noites na recepção do hotel e para a minha sorte, aquele preto simpático do Senegal não se importava de me fazer um rango quando eu chegava faminto e sedento de álcool naquelas madrugadas estranhas em Trieste. Não consegui acabar o vinho, mas o pouco que tomei junto com um comprimido azul que havia trazido de casa, me botou para dormir legal. Finalmente tive oito horas de sono. Naquela semana não tinha dormido muito bem. Fuso-horário, pesadelos, bebida, taquicardia, ansiedade. Lembro o que um argentino que conheci nesse festival me disse ontem à noite quando perdíamos mais uma de nossas batalhas para conseguir se divertir nessa cidade fria e enigmática.
— Trieste é triste, parceiro.
Na recepção do hotel fico sabendo que os dois venezuelanos que iam comigo para a Eslovênia mudaram de ideia e não se importaram de me avisar. Quis dizer adeus para o argentino e umas outras pessoas mas não os encontrei. É sempre assim quando um festival de cinema acaba: todos somem. Como se aquela semana de encontros, filmes, aventuras, amizades novas e etc fosse apenas fruto da minha imaginação. A cidade parecia estar de luto. Não que tenha sido diferente quando eu cheguei; sempre nublada, fria e melancólica. Acho que não vi o sol nem um só dia sequer. Consegui arranjar um carro do festival para me levar ao aeroporto. Na ida um conterrâneo de Curitiba que mora na Alemanha conversa com o motorista que é peruano e mora na Itália. Estou pensativo, um pouco saudoso de tudo que aconteceu e deixou de acontecer entre esses cinco longos dias de noites intermináveis. O brasileiro comenta para o motorista que quando chegar em Stutgart pegará uma carona na sua vila.
— Eu sei que aqui na Itália é proibido pedir ou dar carona, mas lá na Alemanha é normal.
— Não tem perigo, não, diz o paranaense.
Eu me lembro de Floripa, grande Florianópolis; lá a galera pega bastante carona. Não que eu tenha dado ou pego carona, mas eu me lembro de ter visto vários jovens na estrada com o dedão pra cima.
Agradeço ao peruano, dou tchau para meu conterrâneo e vou alugar um carro. Dizem que na Europa a melhor maneira de viajar é de trem, mas eu estou precisando de liberdade; e liberdade para mim é ir e vir a hora que eu quiser. Nem que seja para o lugar errado. Já de carro, eu erro o rumo umas cinco vezes. Não faz mal não, eu estou numa adrenalina, livre para errar o caminho mais dez vezes. 'Slovenia', lê-se na placa, é para lá que eu vou. Sempre tive um tesão de conhecer o leste europeu; não sei porquê. Talvez o fato de que esteve fechado por quase cinquenta anos. Vários segredos, mistérios, muitas revoluções, guerras. Em letras vermelhas eu vejo um letreiro: 'Cambio. Exchange. Wechsel.'.
— Melhor trocar uma grana aqui. — Lá estou eu falando sozinho novamente. Quando entro na casa de câmbio eu escuto uma música familiar no ar, paro e tento reconhecer aquela melodia. “Ué, isso aí é o hino do Brasil, porra!”, penso comigo mesmo. Eu explico para a mulher do caixa que a música do rádio é o hino do Brasil e que eu sou brasileiro. Rimos enquanto ela troca os meus dólares por tólares.
Entro no carro, passo a fronteira e vejo uma pessoa com uma placa 'LJUBJIANA'. Eu estava um pouco confuso com as luzes, guardas, placas, pedágios; com a Eslovênia em geral. Principalmente aquele monte de consoantes e nenhuma vogal estavam me deixando bastante agitado. Olhei de novo e vi que o carona era uma menina com cabelo bem curto, quase raspado. Me lembro do curitibano falando: “Eu sei que aqui na Itália é proibido pedir ou dar carona, mas lá é normal. — Não tem perigo, não. — Paro o carro e abro o vidro. Está um frio danado. Ela se abaixa e fala em esloveno: — Kjlkjdkvtzjnskjjd... Lubiana. Ela é linda, um rosto limpo mas com traços fortes, olhos azuis, alta e magra e tudo ao mesmo tempo. Eu digo:
— Yes, yes.
Ela põe a mochila no banco de trás e eu jogo minhas coisas (mapas e etc..) para trás. BAM! Ela já está sentada dentro do carro. Ela me dá um sorriso bem tímido e fala:
— I don't speak Italian.
Eu naquele instante sinto algo diferente. Papo vai e vem. O nome dela é Iva; ela tem 23 anos, estuda chinês na universidade de Lubiana, aprendeu inglês na Irlanda, morou um ano na China e está vindo de Veneza onde estava visitando algumas amigas que conheceu na China. E eu pensando que eu era um cara descolado.
Ela me mostra um bed and breakfast no centro histórico de Lubiana, me dá um beijo no rosto e se oferece para no dia seguinte me mostrar a cidade. Eu naquela noite tive um pesadelo, ou melhor, uma visita de sei lá o quê; pois eu tenho certeza que naquela noite eu não estava sozinho naquele quarto e essa ‘presença’ não queria me tranquilizar mas sim me atazanar. Mas isso é outra estória. Acordo das poucas horas que consegui dormir e ligo para Iva.
— Infelizmente, não vou poder pois meus primos da Croácia estão aqui e vamos almoçar com toda a família. Talvez mais de tarde. Eu te ligo.
Eu desligo e falo com a minha imagem no espelho:
— Fodeu. Merda. A maldição de Trieste continua.
Não, ela liga de volta e marca para se encontrar às cinco horas. Eu decido ir ao café em frente ao meu hotel e tomar uma Piva (cerveja) enquanto a espero.
Às cinco e três ela vem andando em passos grandes e precisos. Ela anda com a tranquilidade de um passeio no parque e a convicção do exército vermelho ao mesmo tempo. Seus lábios não se mexem, mas eu tenho certeza que ela está cantarolando uma música em sua cabeça. Ela está vestida com um capotão cinza claro.
— Iva. — Eu falo alto da única mesa fora do bar.
Ela se vira, meio perdida, mas não perdendo sua elegância. Ela me vê e sorri. Seus dentes são perfeitos. Ela vem até a mim. Eu pensei algo, não me lembro o quê, mas algo bonito. Falamos muito. Comentei que gostava do Iggy Pop e ela responde:
— Tá passando um filme antigo do Emir Kusturica, Arizona Dream, na cinemateca. O Iggy Pop canta a música tema feita pelo Goran Bregovic. Você gosta de Bregovic?
— Garçom, mais uma cerveja, por favor.
Várias cervejas depois. — Ela só tomou coca pois estava dirigindo o carro da mãe e não era correto beber. Até nisso ela é correta — decidimos ver o filme.
O filme é muito bom. Emociona mesmo. A música é linda. Bom não, o filme é do caralho. Estou sentado ali ao lado da minha Sinead O'Connor da Eslovênia e minhas mãos começam a suar, meu coração dispara, e penso que vou ter um treco ali mesmo.
Eu olho pra ela e ela está totalmente empolgada com o filme, de boca aberta e tudo. E eu louco para lhe dar um beijo mas não consigo. Travou. Travou tudo. Eu estou com 13 anos de novo, Penso: “Espera. Depois do filme, você ataca. Ou nesse caso, se declara. Vai ser uma noite maravilhosa.” O filme acaba e há emoções de todo o tipo rolando entre minha cabeça e meu corpo. Sinto minhas glândulas produzindo tudo que é tipo de hormônio que eu nem sei para que serve.
A fantasia real do cinema acaba e na saída eu noto uma menina de óculos e cabelos escuros me olhando. Seu olhar não mente, eu sei exatamente o que ela quer. a cumprimenta a Iva e diz que meus olhos são muito mente, eu sei exatamente o que ela quer. Ela sorri e vem falar conosco. Ela cumprimenta a Iva e diz que meu olhos são muito fortes. Bonitos e intensos. Eu fico sem jeito. Numa outra noite qualquer eu não desperdiçaria essa deixa; pois apesar de não ser linda essa menina de óculos e sorriso safado deve ser um furacão tropical na cama. Mas fico mais satisfeito é do jeito que a Iva reagiu quando ela notou o flerte da menina para comigo, do que no flerte em si. Senti que a minha heroína ficou um pouco enciumada; pois logo falou algo em esloveno para sua concorrente e segurou no meu braço.
— Vamos.
Nos despedimos do meu flerte e de repente, do nada chega um “figura”, alto e com um rosto meio esburacado, como uma daquelas estradas do interior do Brasil. Cumprimenta a todos meio rapidamente. Eu não dou muita bola mas sinto um clima
estranho no ar. Iva acende seu vigésimo cigarro da noite. A amiga se vai mas não antes de dar um sorriso, como quem diz: “Você não sabe o que está perdendo” A figura fala em esloveno com a minha deusa. Há pausas e daí ele olha para mim e pergunta alguma bobagem no seu inglês de fundo de quintal do tipo:
— Está gostando daqui? Onde você está hospedado?
Eu digo o nome do hotel e que adoro Lubiana principalmente pelo fato da Iva, a menina mais linda da Europa, morar aqui. Ele olha para a Iva, traga seu cigarro e olha para mim.
— Claro, claro. A Iva é excepcional.
“Excepcionial. Que porra de elogio é esse?”, eu penso. Ela está totalmente acanhada e eu começo a matutar: “Só falta esse merda querer vir com a gente.” Não deu outra. O filho da puta fala que tem um bar ali na esquina.
— Vamos! — diz a figura com uma certa autoridade de um Milosovic da vida.
Enquanto andamos pelas ruas frias daquela cidade medieval, eu começo a notar uma vibração diferente e o fato de que ele dá umas encaradas silenciosas na minha deusa e uns olhares estranhos para cima de mim contribui mais ainda para esse cenário gótico. Não é à toa que o Paulo Coelho vem sempre para cá. Papo vai, papo vem e eu sentado ali no meio dos eslavos não entendendo muito. Sinto uma certa frieza na Iva e uma frustração no figura. “Era só o que me faltava”, penso eu. Preciso de mais scotch. Indo pagar a conta, o figura pula da cadeira e chega junto à Iva. Eles falam num tom diferente. É uma discussão, com certeza. Os dois saem do bar discutindo e eu atrás nervoso, ainda contando o meu troco em Tólares. Penso: “Fodeu, vou ter que cair na porrada com o cara.” Detalhe, o cara é grande e eu nem bêbado estou. Eu não sei Jiu-jitsu, meu nome não é Gracie e eu quase nunca briguei na vida. A não ser quando pequeno. Às vezes apanhava do meu primo nas reuniões de família; ou outra vez na Oktoberfest, quando graças a Deus apartaram a briga antes de começar.
Eu paro no meio da rua. Não aguento mais ver minha princesa sendo agredida verbalmente.
— What is the problem? Am I the problem? I mean, whatta fuck is going on here?
Os dois olham para mim. O cara tá bufando.
— No. I am the problem. I love her. I love her. But she doesn't want me!
Tesão, é só comigo mesmo que acontecem essas coisas. Eu olho para cima e falo com o Homem lá em cima.
— Por que tudo tem que ser complicado?
A resposta vem com um beep do alarme do carro. Ela abre a porta do veículo de sua mãe. O figura fecha, grita alguma coisa e sai andando.
Eu entro, ela entra e antes que eu fale qualquer coisa ela diz:
— I'm sorry.
Ela está chorando. Seus olhos azuis se tornam rosas combinando com sua camisa do mesmo tom. Mas o clima é como o capotão dela, cinza. Ela me explica que o "Yuri", sei lá o nome daquele babaca, era seu ex-namorado há mais de um ano. Mas o cara não para de ligar, segui-la, mandar cartas ou incomodar seus amigos e amigas. Mesmo quando ela passou um ano na China, ele chantageou a irmã mais nova dela para pegar o seu telefone de lá. O cara é um psycho. Yuri, o psicopata. Ele já a ameaçou várias vezes, falou que ia se matar, que ia contar para mãe dela que ela não era virgem, que fumava casca de banana e o escambal. Quanto mais ela falava mais eu pensava: “Esse cara é patético” Yuri, o loser. Bom, com esse clima o negócio é esquecer essa noite, porque para tentar algo com ela nesse estado só podem acontecer duas coisas. Um ou vai ser se aproveitar da situação e bola na rede ou escorregar no campo liso e quebrar a perna. Mas a Iva não é um jogo. E eu estou completamente apaixonado e pensando: “A vida aqui não deve ser tão difícil, o aluguel aqui deve ser baratíssimo. Amanhã vou procurar um apê.” Nós decidimos que não seria bom dormir assim, agitados de cabeça quente.
— Vamos tomar algo.
Na procura de palavras para quebrar aquele silêncio gritante e um bar para poder sentar nossas carcaças emocionadamente já desgastadas, andávamos sem destino ao longo do canal. Na porta do que parece ser um bar ela começa a se desculpar e eu, também super nervoso, a escuto. Ela começa a chorar e eu vou acalmá-la e falar que estou apaixonado, mas no abraço que lhe dou começo a chorar também. "Mas que porra é essa.", penso eu. Ao invés de lascar-lhe um beijo, não; eu vou e choro também. Não sei o que aconteceu, só sei que isso não estava no script e que o 'mocinho do filme' jamais faria uma bobagem dessas. Ela me olha com uma certa ternura materna e enxuga meu rosto e eu o dela. É belo, hein? Bom, chega de frescura; eu preciso de um scotch e uma Guinness pra minha gata.
Entramos no bar. Era um bar gótico, num pequeno porão com parede de pedras, mas que infelizmente tinha perdido toda sua personalidade com uma decoração de Halloween, que ao invés de assustar me lembrava mais do Castelo Mal Assombrado da Disneylândia. Até ali, o mal da plasticidade americana me rondava. Falamos, falamos e aos poucos fomos nos relaxando. Ela realmente está com medo do Yuri. Eu a acalmo e falo para ela se cuidar e avisar seu pai para que se isso continuar, chame a polícia. Já vi muitos filmes sobre amantes rejeitados que se tornam loucos a ponto de matarem sua namorada ou/e a si próprio. O bar está cheio de bêbados, uma mulher completamente travada me pede um cigarro e eu aponto para Iva que acuda o vício dela. A mulher acende o cigarro ao contrário e sai. Nisso Iva me avisa que o Yuri em uma hora já ligou 17 vezes para o seu celular.
— Opa, agora é minha mãe.
Iva apaga seu 38° cigarro e vai para fora do bar ligar para a Iva mãe.
Ela volta com uma carinha decepcionada.
— Ele ligou pra minha mãe e disse que eu estava com um estranho num hotel fazendo mil coisas.
Agora o Yuri pegou pesado mesmo. A Iva vai ter que ir para casa e se explicar para a Iva mãe e eu vou ter que ir para o hotel bater com a minha cabeça repetidamente na parede até dormir. Na ida para o hotel a Iva vê o carro do Yuri estacionado perto do dela. Eu me lembro que na maior inocência eu havia dito para o Yuri aonde eu estava hospedado. "Agora foda-se também, se for para apanhar vamos apanhar por uma boa causa. E a Iva até agora é uma excelente causa," penso eu.
— Vá para o hotel andando pela rua de trás. ela diz, agitada.
— Não, eu vou com você.
— Isso não é problema seu, vá.
— Não, ele pode te machucar, Iva.
— Ele não me machucaria, mas você é que me preocupa, ele é meio louco.
É quando o diálogo fica ruim assim, tipo novela mexicana, que você sabe que o filme tende a desmoronar. O Yuri já é grande mas louco: “tô fodido.” Meu heroísmo tem uma recaída.
— E se agente chamasse teu pai, ou sei lá.
Eu sei, não é muito romântico da minha parte, mas pô, eu não quero morrer antes de fazer um longa pelo menos. Eu paro e penso: “Mas que merda, deixa de ser cagão e vamos lá.” Decidimos ir juntos ao hotel. Ela entrou no carro e eu no hotel. Dormi com aquela tensão que a qualquer momento alguns eslovenos, comandados pelo babaca do Yuri, entrariam no meu quarto e dali eu não sairia mais. O fato de o meu quarto ser literalmente ao lado da recepção do hotel não ajudou muito. O telefone tocava, eu acordava. Uns italianos procurando por um quarto, o recepcionista roncando; escutei tudo. Dia seguinte eu tinha que ir, pensei em ficar, mas tinha que ir. Por quê? Compromissos, reuniões, carro tem que ser devolvido, hotel lotado. Por quê? “Porque sim, porra. A viagem só tá começando, ainda tem Veneza, Lucca, Milão e etc...” Eu ligo para a Iva e falo:
— Tou indo, te ligo de Veneza. Vem pra Veneza comigo.
— Não posso, acabei de vir de lá. Hoje é feriado aqui. Dia dos Mortos, ir no cemitério, almoço com o primo da Croácia, passar o dia com a família e etc.
— Tá então tchau.
Mas ela disse que queria me ver; então marcamos às onze e meia. Estava uma manhã linda. Fria, mas com um céu azul límpido. Ninguém nas ruas. Primeira vez que vejo o sol e não tenho ninguém com quem o compartilhar. Eu compro duas rosas, não vermelhas. Iva é rosa claro, leve.
Nos encontramos e fomos até a praça em frente à catedral. Sentamos num bar aberto, tipo os da rua XV, em Curitiba. Para matar as saudades, pedi um quentão e uma porção de castanhas assadas. Me lembrei do inverno em Curitiba, quentão e pinhão. Eu estava um pouco distante e ela também. Talvez não quiséssemos machucar um ao outro. Ela foi ao hotel comigo e lá lhe dei as duas rosas. Eu já tinha arrancado todos os espinhos delas com meu canivete suíço. Havia muitos espinhos e folhas quando as comprei. Não queria que ela se machucasse. Ela ficou surpresa com as flores.
— Ah, mas por quê? Não precisava... e blá, blá, blá.
Eu já um pouco nervoso, não sabendo se é rejeição ou sei lá o quê. Não sei se ela quer que eu vá ou fique, não sei se eu quero ficar. Naquele instante eu só queria sair daquela situação estranha, daquele momento incômodo. Eu não quero esse momento. “Será que dá pra devolver esse momento e me dar outro?” falo com o Homem lá em cima. Ele já escutou esse mesmo pedido de mim várias vezes, desde que eu era pequeno, mas nunca me atendeu. Eu continuo pedindo, vai que Ele atende. Demos um abraço frio, solto; daqueles abraços meio desajeitados. Ela entra no carro e parte. Eu volto ao hotel para pegar minha bagagem e o gordinho da recepção fala que o tempo vai mudar e que vai cair um toró.
— Não?!-retruco eu num tom quase agressivo.
— Bom é o que eles dizem. — ele fala, meio se desculpando.
Eu sorrio e saio pensando “Eles são uns merdas.” Na saída a camareira sorri para mim e me diz:
— Hoje é meu aniversário.
Eu paro meio confuso e lhe dou os parabéns. Seu uniforme rosa e seus olhos azuis traziam um misto de tristeza e alegria.
Ela vem e me dá um longo e forte abraço. Eu sinto um peso saindo de mim e uma leve energia entrando pelos meus poros. É um abraço bem homeopático. Natural e leve, mas que funciona. Ela me beija o rosto e me deseja boa viagem. Outra camareira chega, as duas sorriem e voltam a seus afazeres hoteleiros.
Na estrada eu já me sinto melhor, mais leve. O céu, do nada, se fecha e começa uma chuva do cão. Não é que eles tavam certos. Eles, — eu resmungo comigo mesmo.
Eu penso em voltar, mas lá na frente eu vejo uma luz. É o sol. Bem no final da linha do horizonte não chove, está claro. Eu cruzo a fronteira da Itália e paro para trocar dinheiro no mesmo lugar em que havia escutado o hino do meu país. Procuro algum sinal, alguma pista, uma confirmação, algo que me diga: “volte ou siga em frente.” Nada. Um careca gordo e mal encarado troca meus tólares por liras. O céu se abre e o sol vem chegando. Eu paro numa lanchonete. Estou perdido, cansado, confuso e com muita fome. Uma mulher do balcão grita:
— Buongiorno!
Ela é alta, de cabelos negros e longos. Bem maquiada e produzida; uma donna tipicamente italiana.
— Me dá uma coca e um panino de prosciutto, por favor — falo numa mistura de português com espanhol num sotaque italiano.
— Claro. De onde que você é?
— Brasil.
— Ah, Brasil! Adoro teu sotaque.
Conversamos um pouco e ela me ensina como chegar ao aeroporto. Ela pede a um caminhoneiro simpático, que sentava na mesa ao lado, que quando saísse me avisasse para eu poder segui-lo até o aeroporto. Ela era uma mulher completa em todos os sentidos: sensual, simpática, extrovertida e, além de tudo, descolada. Eu sorri. Sentei e respirei fundo olhando aquele céu azul.
— Ragazzo brasiliano, ti piace il formaggio?
Eu já mais relaxado olho para aquela mulher cheia de vida a me sorrir. Non capisco.
O panino de prosciutto você quer com queijo também? Ali naquele instante eu me sinto energizado, uma alegria me contagia. Estou pronto para seguir essa viagem. Sim, queijo, bastante queijo. Me vê dois panini, por favor. Eu falo num tom extasiante, como se alguém tivesse me aplicado uma injeção de vida.
— La vita é buona.
— Claro, la vita é buona — ela concorda comigo.
Molto buona! diz o simpático caminhoneiro da outra mesa levantando seu copo de cerveja. Nós três nos olhamos e trocamos sorrisos. A bela italiana aumenta o volume do rádio e escuto "Via con me" (Venha Comigo) de Paolo Conte, a tocar. Eu começo a cantarolar a música do mestre do cool italiano: “It's wonderful, it's wonderful...”
Sobre o autor:
© 2001 - Calixto José Hakim - Todos os direitos reservados
Como sempre sensacional!
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