Política de transporte público gratuito avança em cidades pequenas, mas esbarra em desafios financeiros nas grandes metrópoles, como Curitiba, tornando sua aplicação praticamente inviável
Tarifa Zero nas grandes metrópoles: realidade ou utopia? - Sulpost |
Na última década, a proposta da Tarifa Zero, que prevê a gratuidade do transporte público, vem ganhando cada vez mais relevância no debate eleitoral e, de acordo com a Associação Nacional das Empresas de Transportes Urbanos (NTU), já foi implementada em 136 cidades brasileiras. Dessas, 116 oferecem gratuidade em todo o sistema e em todos os dias da semana.
O avanço da Tarifa Zero se acelerou neste período pós-pandemia. Em quatro anos o número de cidades que adotou a política triplicou, e, inclusive algumas capitais, como Belo Horizonte, Florianópolis e São Paulo, já adotaram o modelo, mesmo que de forma parcial.
Apesar da política de transporte público gratuito estar funcionando e fazendo sucesso em cidades menores, que tem em média 50 mil habitantes, a Tarifa Zero enfrenta desafios consideráveis nas grandes metrópoles. A proposta, amplamente defendida por setores progressistas, começa agora também a ganhar coro nas campanhas de candidatos dos partidos de direita, evidenciando a força dessa pauta nas eleições municipais deste ano.
Toda discussão gira em torno da viabilidade na adoção do transporte gratuito em cidades com mais de 300 mil habitantes, como no caso de Curitiba, com seus 1.829.225. A promessa eleitoral da implantação da Tarifa Zero é altamente questionável quando voltada para uma metrópole, e pode ser vista como uma “promessa vazia”, pois a implementação de um sistema de transporte gratuito, em grandes centros urbanos, que possuem grandes frotas de ônibus, VLTs, trens e metrô é uma tarefa monumental, onerosa e, muitas vezes, inviável. É uma conta que não fecha.
O exemplo de Curitiba
Curitiba, conhecida por seu sistema de transporte público inovador, enfrenta desafios financeiros crescentes na manutenção de suas linhas de ônibus. Em 2023, a passagem de ônibus na capital paranaense chegou a R$ 6, no entanto, o custo real de uma viagem foi estimado em R$ 8,15. Esse déficit é compensado por subsídios governamentais.
Em 2022, a Prefeitura de Curitiba investiu cerca de R$ 200 milhões para subsidiar o transporte coletivo, evitando um aumento ainda maior nas tarifas. Caso a cidade optasse pela Tarifa Zero, esse valor teria de ser substancialmente elevado, resultando em um impacto fiscal insustentável para o município.
Nos grandes centros urbanos, o volume de passageiros é significativamente maior, o que implica em custos proporcionais muito elevados. Em Curitiba, o sistema de transporte atende uma média de 1,2 milhão de passageiros por dia. Implementar a Tarifa Zero exigiria que a prefeitura arcasse com bilhões de reais anualmente, algo que a estrutura fiscal do município, que já enfrenta pressões em diversas áreas, como educação é saúde, não suportaria a passagem gratuita sem comprometer outros serviços essenciais.
Custos elevados
O exemplo de Curitiba ilustra uma realidade presente em outras metrópoles: o financiamento do transporte gratuito em grandes cidades esbarra em questões financeiras. Ao contrário de cidades menores, como Maricá (RJ) ou Vargem Grande Paulista (SP), que financiam a Tarifa Zero com royalties do petróleo ou fundos locais, grandes centros não têm fontes de receita suficientes para cobrir o custo da gratuidade.
Em cidades como Curitiba, que é a oitava cidade mais populosa do Brasil, os subsídios geralmente já estão empenhados para manter o valor atual da tarifa, e o aumento expressivo nos custos seria inevitável com a implementação de um sistema gratuito. Os próprios gestores municipais que estudam a possibilidade de Tarifa Zero reconhecem que, em grandes cidades, mesmo com um modelo de gestão altamente eficiente, a adoção dessa política se tornaria insustentável a médio e longo prazo, devido ao grande volume de passageiros e ao alto custo operacional do transporte público.
Viabilidade zero
Embora a Tarifa Zero tenha sido implementada com sucesso em cidades pequenas, prometer essa política em grandes metrópoles - sem considerar as limitações orçamentárias - pode ser considerado até como “estelionato eleitoral”. Candidatos que incluem a Tarifa Zero em seus programas para cidades como Curitiba, São Paulo ou Rio de Janeiro podem estar, na prática, apresentando uma proposta que é inviável, e provavelmente eles já sabem disso. Prometem sabendo que não vão cumprir, apenas com objetivos eleitoreiros.
A demanda por gratuidade no transporte público é real e reflete um anseio legítimo da população por mobilidade acessível, principalmente em tempos de crise econômica. No entanto, a implementação da Tarifa Zero, nos grandes centros urbanos do nossa país, exigiria uma reformulação profunda no financiamento do transporte público e na alocação de recursos municipais — algo que, até o momento, parece distante da realidade, uma utopia.
Estamos de olho
A Tarifa Zero pode ser uma solução eficaz para cidades com frotas pequenas e baixa demanda, como já observado em vários municípios brasileiros que têm baixa concentração populacional. Entretanto, em grandes metrópoles, onde a demanda é muito maior e os custos de manutenção do sistema são elevados, a promessa dessa política sem um planejamento fiscal adequado pode ser enganosa.
Abra os olhos para as promessas vazias, feitas por políticos inescrupulosos em período eleitoral. É fundamental que as pessoas fiquem atentas e questionem a viabilidade de propostas assim, principalmente durante os períodos de campanha política. Se o eleitorado não abrir os olhos, corre o risco de serem vítimas de promessas que, na prática, se tornam irrealizáveis. O problema de muitos políticos é achar que todo mundo é otário, só que não. Nós estamos de olho.
Ronald Stresser, de Curitiba.
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