A CRISTÃ-NOVA
"...essa mesma foi levadacativa para uma terra estranha.
NAUM, cap. III, v. 10
PARTE I
I
"Olhos fitos no céu, sentado à porta,
O velho pai estava. Um luar frouxo
Vinha beijar-lhe a veneranda barba
Alva e longa, que o peito lhe cobria,
Como a névoa na encosta da montanha
Ao destoucar da aurora. Alta ia a noite,
E silenciosa: a praia era deserta,
Ouvia-se o bater pausado e longo
Da sonolenta vaga, — único e triste
Som que a mudez quebrava à natureza.
II
Assim talvez nas solidões sombrias
Da velha Palestina
Um profeta no espírito volvera
As desgraças da pátria. Quão remota
Aquela de seus pais sagrada terra,
Quão diferente desta em que há vivido
Os seus dias melhores! Vago e doce,
Este luar não alumia os serros
Estéreis, nem as últimas ruínas,
Nem as ermas planícies, nem aquele
Morno silêncio da região que fora
E que a história de todo amortalhara.
Ó torrentes antigas! águas santas
De Cedron! Já talvez o sol que passa,
E vê nascer e vê morrer as flores,
Todas no leito vos secou, enquanto
Estas murmuram plácidas e cheias,
E vão contando às deleitosas praias
Esperanças futuras. Longo e longo
O devolver dos séculos
Será, primeiro que a memória do homem
Teça a mortalha fria
Da região que inda tinge o albor da aurora..."
Machado de Assis, in 'Americanas'
Texto-fonte:
Obra Completa, Machado de Assis, vol. II,
Nova Aguilar, Rio de Janeiro, 1994.
Publicado originalmente no Rio de Janeiro, por B.-L. Garnier, em 1875.
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