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terça-feira, 6 de novembro de 2018

Natural não quer dizer seguro

Suplementos de ervas não são regulamentados, tem publicidade exagerada e são potencialmente mortais


O FDA (agência reguladora de medicamentos nos EUA) demorou mais de dez anos para retirar do mercado produtos para emagrecer a base de plantas contendo efedrina, que causaram centenas de mortes. Aristolochia ou Jarrinha (à direita) é outro perigoso suplemento de ervas. (fotos de Valueline e Istockphoto)

por Geoffrey Kabat*

"Em outubro de 2012, o escritório do inspetor geral do Departamento de Saúde e Serviços Humanos emitiu dois relatórios ressaltando a necessidade de melhorar a fiscalização da comercialização de suplementos alimentares e melhora da vigilância de seus efeitos. Os relatórios se adicionam a um número crescente de vidências que documentam um grave problema de saúde pública.

O uso de suplementos alimentares e fitoterápicos tem crescido dramaticamente nos últimos anos nos Estados Unidos. Em 2007, de acordo com o Centro Nacional para Medicina Complementar e Alternativa, 14,8 bilhões de dólares foram gastos em não-vitaminas, não-minerais, produtos naturais, tais como óleos de peixe, glucosamina e Echinacea, equivalente a cerca de um terço do total de despesas não-reembolsáveis com medicamentos prescritos. 

Desse total, 4.4 bilhões de dólares foram gastos em suplementos de ervas. Dados do National Health e Nutrition Survey de 2003 a 2006 indicam que metade dos americanos adultos usam suplementos dietéticos e 20% usam um suplemento com pelo menos um ingrediente botânico.

Muitas pessoas pensam que, já que as ervas são naturais e estão sendo comercializadas e vendidas legalmente, elas devem ser seguras e eficazes. Além disso, pesquisas indicam que a maioria das pessoas acredita que estes produtos são regulados pelo FDA. Na verdade, ambas as hipóteses estão erradas.

Em 1994, o Congresso aprovou a Lei de Educação e Saúde em Suplementos Dietéticos, com o apoio pesado da indústria de suplementos dietéticos. 

Ao definir suplementos de ervas e vegetais como suplementos dietéticos, a lei isenta-os dos padrões mais rigorosos utilizados pelo FDA na regulação de alimentos, medicamentos e dispositivos médicos – essencialmente deixando para a indústria se auto-regular. Esta única lei abriu as portas para uma rápida expansão na venda de suplementos dietéticos.

Entre 1994 e 2008, o número de produtos de suplementos alimentares no mercado aumentou de 4 mil para 75 mil. Nos primeiros 10 meses de 2008, o FDA recebeu cerca de 600 notificações de reações adversas graves (incluindo hospitalização, invalidez e morte), a partir desses produtos e 350 relatórios de reações adversas moderados ou leves. 

No entanto, o FDA acredita que esses relatórios são drasticamente subnotificados e estima que o número anual de eventos de reações adversas chegue a 50 mil.

Dois médicos e cientistas altamente respeitados, Donald Marcus da Escola de Medicina Baylor e Arthur Grollman da Universidade Stony Brook, chamaram a atenção para os perigos de suplementos de ervas há mais de uma década.

Em um recente artigo na revista Archives of Internal Medicine, eles observaram que “mesmo quando a agência [FDA] identifica um produto inseguro, ela não tem autoridade para impor sua retirada do mercado, pois deve atender a mais alta exigência legal para demonstrar o ‘risco significativo e razoável’.

É por isso que o FDA demorou mais de 10 anos para retirar do mercado produtos para emagrecer à base de plantas contendo efedrina que causaram centenas de mortes e milhares de reações adversas”.

Marcus e Grollman apontam uma série de grandes deficiências na regulação dos suplementos fitoterápicos: há uma falta de padronização para proteção contra adulteração e para garantir um nível coerente dos princípios ativos. Suplementos de ervas podem interagir negativamente com medicamentos prescritos. 

Suplementos de ervas não precisam ser testados antes da comercialização, como é exigido para medicamentos prescritos ou manipulados. Os produtores de suplementos alimentares estão empenhados em um marketing enganoso e em rótulos não adequados nos produtos para informar os consumidores sobre sua natureza e regulação. Finalmente, não há nenhuma exigência para relatar todos os efeitos adversos imediatamente ao FDA.

Essa falta de salvaguardas cria uma situação em que consumidores são expostos involuntariamente a produtos a base de plantas que, na maioria dos casos, não tem eficácia comprovada, mas muitas vezes tem efeitos tóxicos graves. Embora nós tenhamos a tendência de igualar natural e saudável, as plantas desenvolveram toxinas para se proteger de predadores. 

A percepção de que os suplementos de ervas e vegetais são inerentemente seguros é desmentida pela extensa evidência do perigo representado por esses produtos, incluindo kava, efedrina, confrei e ácido aristolóquico. 

No entanto, a publicidade intensiva da indústria de suplementos alimentares explora e reforça a ilusão de que produtos vegetais são inerentemente benéficos e inofensivos. Além disso, o campo da medicina complementar e alternativa, que ganhou destaque na década de 1990, ajudou a dar um verniz de legitimidade para o uso de suplementos, mesmo que esta disciplina tenha total descrédito de cientistas como Marcus e Grollman.

O exemplo mais dramático do potencial de dano do uso descontrolado de plantas ocorreu em Bruxelas, na Bélgica. As mulheres que frequentam uma clínica de perda de peso participaram de um programa que envolveu tomar uma cominação de ervas chinesas. 

O programa estava em operação há 15 anos, sem efeitos colaterais. No entanto, no início de 1990, a empresa que forneceu as ervas substituiu a Aristolochia por outra, benigna, erva com um nome que soa muito parecido em chinês. 

Aristolochia tem sido amplamente utilizada pela medicina fitoterápica, mas contém ácido aristolóquico – uma poderosa toxina para o rim e uma substância cancerígena. Como resultado da inclusão da Aristolochia no regime (durante dois anos), 105 mulheres presentes na clínica desenvolveram insuficiência renal progressiva e precisaram fazer diálise ou transplante de rim. 

Várias das mulheres desenvolveram câncer no trato urinário superior. Casos de insuficiência renal devida à ingestão de produtos a base de plantas que contém ácido aristolóquico também foram relatados nos Estados Unidos, Europa e Ásia.

Essa caso dramático levou o FDA a emitir um alerta sobre produtos que contém ácido aristolóquico e alguns países proibiram esses produtos, incluindo o Reino Unido, Holanda, Alemanha e Japão. No entanto, apesar destas restrições, os produtos que contém ácido aristolóquico ainda estão disponíveis na Internet. 

O que é essencial para entender é que os efeitos da Aristolochia foram identificados apenas graças ao grande aglomerado de casos de insuficiência renal que ocorreram em mulheres jovens que frequentavam o mesmo spa. É muito mais provável que casos isolados passem despercebidos, como aconteceu com a efedrina, e que poderiam levar anos para serem identificadas causas comuns.

As pessoas não reconhecem os efeitos nefrotóxicos da Aristolochia, apesar de seu uso em muitas culturas em todo o mundo ao longo de milhares de anos. Em uma entrevista, Grollman explicou o porquê: “o motivo, claro, é bastante simples.

É indolor e o dano acontece muito mais tarde, assim você não junta o fato de que você tomou esse medicamento e ter insuficiência renal quatro anos mais tarde. Ela tem sido parte da medicina Ayurvédica, Européia, Chinesa e Sulamericana por séculos. Todas as grandes civilizações a tem usado. E nenhuma reportou sua toxidade até os belgas vinte anos atrás. Há certas coisas que a tradição não pode te ensinar”.

Na campanha política que acaba de terminar, ouvimos muito sobre os males da regulação. Mas a regulação não pode ser julgada de forma abstrata, sem referências aos fatos pertinentes no mundo real e na vida de pessoas reais.

O recente surto de meningite fúngica causado pela contaminação de um esteroide produzido por uma empresa de manipulação de Massachusetts ressalta o potencial de falhas, mesmo no caso de produtos que estão sob a alçada do FDA. Mais uma razão para que suplementos alimentares e fitoterápicos devam estar sujeitos a, pelo menos, a rigorosas salvaguardas como as que se aplicam a medicamentos prescritos e manipulados."

*Geoffrey C. Kabat é um epidemiologista americano, pesquisador de câncer e autor. Ele fez parte do corpo docente da Faculdade de Medicina Albert Einstein e da Universidade Estadual de Nova York, Stony Brook. (Imagem: Geoffrey Kabat (@GeoKabat) | Twitter)
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Fonte:  (Fonte: Natural Does Not Mean Safe (Tradução: Maurício Sauerbronn de Moura) - Imagem: fotos de Valueline e Istockphoto (CC0 - Domínio Público)

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