quarta-feira, 17 de setembro de 2025

“Seis graus demais”: o silêncio mortal do calor na Europa

O verão que queimou casas e memórias: como o calor invisível matou milhares na Europa

Por Ronald Stresser — Sulpost 

Onda calor da Europa preocupa o mundo - ESA/Divulgação

Há um silêncio pesado que vem depois de uma noite sem ar: o ar-condicionado desligado por medo da conta, o ventilador que gira como um relógio sem efeito, a respiração que encurta. Este verão, esse silêncio virou notícia — e número. Estudos científicos agora nos dizem que o calor, intensificado pelas ações humanas sobre o clima, matou milhares de pessoas na Europa. Mas por trás dos números existem noites, gavetas com fotos, filhos que não ligaram de volta. Esta reportagem busca escutar essas ausências.

O dado que não cabe em estatística

Um amplo estudo que analisou centenas de cidades europeias concluiu que o último verão deixou um rastro de mortes em excesso — dezenas de milhares quando consideradas todas as cidades pesquisadas. Parte significativa dessas mortes — estimada em milhares — foi atribuída diretamente ao aquecimento causado por atividade humana. As estimativas e explicações técnicas estão em relatórios produzidos por instituições e veículos que acompanharam a pesquisa.

Esses números nos obrigam a fazer uma pergunta dura: quantas dessas perdas foram evitáveis? Os pesquisadores dizem que uma fração significativa — milhares de vidas — não teria ocorrido sem o calor extra que a mudança climática acrescentou às temperaturas já extremas.

Quem carregou o peso — e como o calor mata

A maior parte das vítimas eram pessoas idosas, muitas em casas sem condições de resfriamento ou em residências de baixa qualidade térmica. O calor mata de forma indireta: agrava doenças cardíacas e respiratórias, desidrata, sobrecarrega rins e coração. E, frequentemente, essas mortes não aparecem como “morte por calor” nas certidões — aparecem como falência cardíaca, ataque isquêmico, insuficiência renal — porque o calor entra pela porta dos diagnósticos e sai sem assinatura.

História de uma perda — um rosto entre muitos

"Ela não respondeu ao telefonema da manhã. No elevador, o ar estava quente como no resto do prédio. Quando abriram a porta do apartamento, encontraram as fotos dela sobre a mesa, a xícara com café frio. O ventilador fazia barulho, mas não havia vento."
— Relato de vizinho sobre uma moradora idosa encontrada sem vida após uma onda de calor.

Essa breve narrativa é simbólica de muitas outras. A tragédia do calor é discreta: acontece dentro de lares, em apartamentos térreos, em quartos sem ventilação. É o tipo de morte que a coletividade tende a não ver, porque não explode em imagens dramáticas — explode em ausência.

Como os números se distribuem

Países como Itália, Espanha, França, Alemanha e Reino Unido registraram parcelas significativas das mortes estudadas — com centenas a milhares de óbitos atribuíveis ao calor extra do verão. Em cidades grandes, centenas de vidas foram perdidas a mais do que seria esperado em um cenário sem aquecimento adicional. Os relatórios e matérias sobre o estudo trazem mapas e tabelas detalhadas para quem quiser aprofundar.

Por que isso poderia ter sido evitado — e o que ainda pode ser feito

O estudo não é só um inventário de perdas; é um roteiro de prevenção. Dois caminhos se destacam: reduzir as emissões que tornam os verões mais quentes (mitigação) e transformar cidades, casas e serviços de saúde para que suportem as ondas de calor (adaptação).

  • Mitigação: cortes reais de emissões, transição energética, investimentos em transporte público e eficiência.
  • Adaptação: centros de resfriamento, planos de assistência a idosos, telhados e pavimentos que reflitam menos calor, mais árvores e áreas verdes, campanhas de alerta e suporte porta a porta em dias extremos.
  • Registros e transparência: reconhecer o calor como fator determinante em laudos e estatísticas de mortalidade para que políticas públicas sejam calibradas corretamente.

Essas medidas exigem vontade política e pactos comunitários — porque proteger a vida no calor não é só uma técnica, é um ato de cuidado coletivo.

O que ouvi quando fui ouvir

Em ruas onde o cimento domina, moradores contam que o cotidiano mudou: horários resignados — lavar roupas ao amanhecer, evitar o sol entre 11h e 16h — e o medo de uma conta de energia que esmaga a aposentadoria. Hospitais descrevem maior demanda por atendimento a insuficiências cardíacas e episódios de desidratação entre idosos. Em muitos relatos, a palavra que volta é "impreparados": prédios sem ventilação adequada, pouca sombra, falta de abrigos frescos.

Um pedido — por reconhecimento e ação

O verão da Europa nos empurra para um dever: não transformar esses mortos em estatística plausível que a rotina aceita. É preciso reconhecer as causas, registrar com clareza e construir políticas públicas que coloquem a vida no centro. Porque, como todo luto nos ensina, recordar é também transformar.

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