terça-feira, 3 de junho de 2025

Aparições de jubartes em águas paranaenses são um indicativo da recuperação da espécie, que, até 2014, estava ameaçadas de extinção

Baleias-jubarte reaparecem no litoral do Paraná e indicam boa saúde do ecossistema — mesmo com as obras da ponte de Guaratuba

Por Ronald Stresser*

 
Baleia-jubarte de 12 metros nada em Guaraqueçaba - Foto: LEC-UFPR
 

O céu estava limpo, o mar calmo. Eram pouco mais de 9h quando moradores de Guaraqueçaba e turistas de passagem se reuniram na areia, hipnotizados por uma cena rara — e inesquecível: uma baleia-jubarte, de cerca de 12 metros, emergia e mergulhava suavemente nas águas do litoral paranaense. O enorme mamífero parecia alheio ao vaivém humano e à engenharia que cresce sobre o mar. E talvez essa seja justamente a melhor notícia.

Os avistamentos, registrados entre os dias 26 de maio e 1º de junho, acenderam um alerta positivo entre especialistas: a presença de baleias jubarte e golfinhos,  no litoral do estado, é mais do que um espetáculo natural. É um indicativo da recuperação da espécie e, muito provavelmente, uma evidência de que as obras da ponte — iniciadas entre polêmicas e precauções ambientais — não estão afastando a vida marinha.

“O que vimos foi um jovem-adulto, nadando tranquilamente próximo à Baía das Laranjeiras, em Guaraqueçaba. Isso reforça que a espécie está se recuperando e que o litoral do Paraná faz parte dessa rota migratória que leva as jubartes da Antártica ao litoral da Bahia”, explica Rafael Galvão, técnico do Instituto Água e Terra (IAT).

A cena motivou uma força-tarefa. Durante sete dias, técnicos do IAT e pesquisadores do Laboratório de Ecologia e Conservação da UFPR, com apoio do Centro de Operações Aéreas (COA), percorreram o litoral em busca de mais sinais da presença dos gigantes do mar. Encontraram golfinhos, toninhas e uma segunda baleia. Cada avistamento foi meticulosamente registrado: posição, comportamento, tamanho, padrão de cores na cauda — tudo conta para mapear o fluxo migratório das jubartes em águas paranaenses.

Sinal de que o mar respira

Para a bióloga Camila Domit, pesquisadora da UFPR, esse movimento das baleias é carregado de significado. “Essas aparições são excelentes indicativos de saúde ambiental. Até 2014, essa espécie estava ameaçada de extinção. Agora, elas estão não só sobrevivendo, mas voltando a se aproximar da costa”, afirma.

Na década de 1980, estima-se que restassem apenas mil jubartes em todo o litoral brasileiro. Hoje, graças à proibição da caça comercial e aos esforços de conservação, a população gira em torno de 30 mil indivíduos. A volta das jubartes ao Paraná, onde costumavam passar ao largo, longe da costa, é um marco ecológico.

Segundo Camila, essa mudança de comportamento pode ser um efeito direto da recuperação populacional: com mais baleias, há uma maior distribuição espacial. “Elas estão ocupando áreas onde antes não se via nenhuma. E isso requer responsabilidade. A presença delas na zona costeira exige mais cuidado com as atividades humanas, como navegação, pesca, mineração e obras costeiras.”

Ponte em harmonia com o oceano?

Diante desse novo cenário, surge uma pergunta inevitável: a construção da ponte de Guaratuba, que corta justamente uma região sensível da fauna marinha, está sendo conduzida de forma sustentável?

“Os primeiros sinais indicam que sim. A presença das jubartes, tão próximas ao canteiro de obras, é um bom indício de que os protocolos ambientais estão funcionando e de que as intervenções não estão afastando a biodiversidade marinha”, avalia Galvão. Segundo ele, o monitoramento contínuo será fundamental para garantir que isso se mantenha. “Não se trata de barrar o desenvolvimento, mas de construir com responsabilidade.”

A pesquisa também vai subsidiar novos processos de licenciamento ambiental. A ideia é que cada nova intervenção no litoral paranaense — seja um porto, uma estrada ou qualquer outro projeto — leve em conta não só a presença, mas o bem-estar das baleias e de outras espécies.

Educação para convivência

Mas o desafio não é apenas técnico. Com a proximidade desses animais da costa, cresce a necessidade de sensibilizar a população sobre como conviver com eles. Isso inclui regras básicas, como manter distância durante passeios de barco, evitar ruídos e respeitar áreas de alimentação e reprodução.

“Precisamos ensinar que esse espetáculo não é uma atração turística comum. São seres vivos, sensíveis, que precisam de espaço e tranquilidade”, afirma Camila. “Educar é o caminho para que essa coexistência seja possível.”

Gigantes gentis

A baleia-jubarte (Megaptera novaeangliae) é uma das espécies mais carismáticas do oceano. Com até 16 metros de comprimento e 40 toneladas, suas nadadeiras peitorais são tão longas que podem chegar a um terço do corpo. Saltam, cantam e se organizam em pequenos grupos, geralmente de dois ou três indivíduos. Migram anualmente dos mares gelados da Antártica para o calor tropical do Brasil — uma jornada de mais de 6 mil quilômetros.

A costa brasileira, especialmente entre o Espírito Santo e a Bahia, é uma das principais áreas de reprodução do mundo. O Paraná, embora não seja destino final, é uma importante rota de passagem. E agora, com as águas mais limpas e a espécie se recuperando, esse corredor ecológico ganha nova vida.

Entre saltos e borrifos no ar, as jubartes parecem dar seu recado: o mar ainda tem fôlego. Cabe a nós garantir que continue assim — inclusive quando pontes forem erguidas sobre suas rotas milenares.

Se encontrar uma baleia no mar: mantenha distância, evite barulhos e nunca tente tocá-la. Denúncias de irregularidades podem ser feitas ao IAT pelo telefone 181.

*com informações da AEN-PR. Foto: Laboratório de Ecologia e Conservação da UFPR.

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