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domingo, 11 de abril de 2021

Machado de Assis: 'Musa Consolatrix'

MUSA CONSOLATRIX    "Que a mão do tempo e o hálito dos homens Murchem a flor das ilusões da vida,  Musa consoladora,  É no teu seio amigo e sossegado Que o poeta respira o suave sono.  Não há, não há contigo,  Nem dor aguda, nem sombrios ermos; Da tua voz os namorados cantos  Enchem, povoam tudo  De íntima paz, de vida e de conforto.  Ante esta voz que as dores adormece,  E muda o agudo espinho em flor cheirosa, Que vales tu, desilusão dos homens?  Tu que podes, ó tempo?  A alma triste do poeta sobrenada  À enchente das angústias,  E, afrontando o rugido da tormenta, Passa cantando, alcíone divina.  Musa consoladora,  Quando da minha fronte de mancebo A última ilusão cair, bem como  Folha amarela e seca  Que ao chão atira a viração do outono,  Ah! no teu seio amigo  Acolhe-me, — e haverá minha alma aflita, Em vez de algumas ilusões que teve,  A paz, o último bem, último e puro!"    Machado de Assis
IMAGEM: SULPOST

MUSA CONSOLATRIX


"Que a mão do tempo e o hálito dos homens

Murchem a flor das ilusões da vida,

    Musa consoladora,

É no teu seio amigo e sossegado

Que o poeta respira o suave sono.


    Não há, não há contigo,

Nem dor aguda, nem sombrios ermos;

Da tua voz os namorados cantos

    Enchem, povoam tudo

De íntima paz, de vida e de conforto.


Ante esta voz que as dores adormece,

E muda o agudo espinho em flor cheirosa,

Que vales tu, desilusão dos homens?

    Tu que podes, ó tempo?

A alma triste do poeta sobrenada

    À enchente das angústias,

E, afrontando o rugido da tormenta,

Passa cantando, alcíone divina.

    Musa consoladora,

Quando da minha fronte de mancebo

A última ilusão cair, bem como

    Folha amarela e seca

Que ao chão atira a viração do outono,

    Ah! no teu seio amigo

Acolhe-me, — e haverá minha alma aflita,

Em vez de algumas ilusões que teve,

A paz, o último bem, último e puro!"


Machado de Assis, in "Crisálidas" (1864)


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