Vemo-los, logo que se livram de toda a miséria material e moral, logo que sacudiram dos ombros todos os fardos, tomarem sobre eles mesmos o peso da existência, e considerarem como um ganho toda a hora que têm conseguido passar, ainda que no fundo ela seja tirada dessa existência, que se esforçam por prolongar com tanto zelo.
O aborrecimento não é um mal para desdenhar: que desespero faz transparecer no rosto! Faz com que os homens, que se amam tão pouco uns aos outros, se procurem com todo o entusiasmo; é a origem do instinto social. O Estado considera-o como uma calamidade pública, e por prudência toma medidas para o combater.
Este flagelo, que não é menor que o seu extremo oposto, a fome, pode impelir os homens a todos os desvarios; o povo precisa "panem et circenses". O rude sistema penitenciário de Filadélfia, fundado sobre o isolamento e a inatividade, faz do aborrecimento um instrumento de suplício tão terrível, que mais de um condenado tem recorrido ao suicídio para lhe fugir.
Se a miséria é o aguilhão perpétuo para o povo, o tédio é-o igualmente para os ricos. Na vida civil, o domingo representa o aborrecimento, e os seis dias da semana a miséria."
Fonte: Arthur Schopenhauer, in As Dores do Mundo - Imagem: Obra de Zhang Linhai
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