Quando o clima bate à porta: a crise climática ameaça o lar de milhões de brasileiros
Por Ronald Stresser, da redaçãoImagine a cena: uma família reunida para o almoço de domingo em sua casa no interior do Rio Grande do Sul. De repente, o céu escurece, e em poucos minutos, uma enxurrada leva parte da estrutura da residência. Cenas como essa, infelizmente, estão se tornando parte da rotina brasileira — e revelam uma dura verdade: o aquecimento global não é um problema distante. Ele está atingindo, cada vez mais, a porta da nossa própria casa.
O planeta, hoje todo conectado em tempo real, está testemunhando o avanço do mar em ilhas do Pacífico e as enchentes nos deltas asiáticos. Uma fatia gorda do patrimônio imobiliário público e privado global está sob o risco direto dos efeitos das mudanças climáticas. Calcula-se que cerca de 10% do valor das propriedades residenciais no mundo — o equivalente a impressionantes US$ 25 trilhões até 2050 — pode ser varrido pelo impacto direto e indireto do aquecimento global.
E o Brasil? Está no olho do furacão.
Casas em risco, vidas em jogo
Não é preciso morar na costa para sentir os efeitos. Os temporais cada vez mais violentos no Sul, as ondas de calor sufocantes no Centro-Oeste e as secas prolongadas no Nordeste revelam como o Brasil, com seu território vasto e diverso, está sendo pressionado por um único e cada vez mais instável clima: o da Terra.
Só em 2023, eventos extremos afetaram milhões de brasileiros. Segundo dados do Cemaden (Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais), 1 em cada 3 municípios sofreu com desastres associados ao clima — e a conta só cresce.
“Meu seguro não cobria enchente”, conta Vera Lúcia, moradora de Petrópolis, onde deslizamentos de terra deixaram dezenas de mortos. “Perdi minha casa e tive que começar do zero. Ninguém me avisou que isso podia acontecer aqui.”
Quem paga essa conta?
Com o aumento da frequência e intensidade dos desastres, surge uma questão inevitável: quem vai arcar com os custos? No Brasil, boa parte das vítimas depende de programas emergenciais do governo, como o Auxílio Reconstrução, enquanto o mercado de seguros ainda engatinha na cobertura ampla de desastres naturais.
Nos Estados Unidos, os custos já estão pressionando o sistema financeiro. Em estados como Califórnia e Flórida, o valor dos seguros disparou tanto que se fala em uma “bolha climática” prestes a estourar. No Brasil, ainda estamos atrasados — e isso é um problema.
“Quando o seguro não cobre e o poder público demora a agir, o cidadão é duplamente penalizado”, analisa o urbanista Rafael Maciel. “E, no fim, quem mais sofre é quem menos tem.”
Proteger ou reconstruir?
Além do prejuízo, há o desafio de adaptação. Cidades como Recife, Salvador e Rio de Janeiro, com suas populações densas e trechos costeiros vulneráveis, precisarão de investimentos bilionários em infraestrutura para se proteger do avanço do mar e das chuvas extremas. Isso inclui desde muros de contenção até sistemas inteligentes de drenagem.
Na outra ponta, também será necessário investir em tecnologias domésticas que reduzam emissões: casas mais ventiladas, telhados frios, painéis solares, isolamento térmico. Mas essas soluções ainda são caras — e raras — na maioria dos lares brasileiros.
Um bom exemplo vem da Europa, onde a Itália criou o "superbonus", um programa de subsídio generoso para reformas sustentáveis. A iniciativa custou mais de 200 bilhões de euros ao governo, mas impulsionou uma onda de retrofit verde. No Brasil, iniciativas assim ainda são pontuais e limitadas.
O futuro mora aqui
As mudanças climáticas estão transformando o lar, que antes era símbolo de segurança, em um espaço de incertezas. E a omissão pode custar caro: tanto economicamente quanto em vidas humanas.
O momento exige decisões difíceis e urgentes. O poder público precisa investir em infraestrutura e prevenção. O mercado imobiliário tem que repensar onde e como construímos. E os cidadãos, por sua vez, precisam de informação, apoio e incentivos para adaptar suas casas.
Ignorar o problema não vai torná-lo menor. Como já mostrou a história, esperar o desastre para reagir é a forma mais cara — e mais cruel — de lidar com a realidade.
No fim, a casa da qual falamos não é só de alvenaria. É o planeta inteiro. E ele está pedindo socorro.
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