Translate

sexta-feira, 3 de julho de 2020

9 poemas de Paulo Leminski

Paulo Leminski, poeta paranaense (divulgação)
Nem toda hora

"Nem toda hora
é obra
nem toda obra
é prima
algumas são mães
outras irmãs
algumas
clima"

Rosa Rilke Raimundo Correia

"Uma pálpebra,
Mais uma, mais outras,
Enfim, dezenas
De pálpebras sobre pálpebras
Tentando fazer
Das minhas trevas
Alguma coisa a mais
Que lágrimas"

A Gente ia ser Homero

"um dia
a gente ia ser homero
a obra nada menos que uma ilíada
depois
a barra pesando
dava pra ser aí um rimbaud
um ungaretti um fernando pessoa qualquer
um lorca um eluárd um ginsberg
por fim
acabamos o pequeno poeta de província
que sempre fomos
por trás de tantas máscaras
que o tempo tratou como a flores"

Kai

"Mínimo templo
para um deus pequeno,
aqui vos guarda,
em vez da dor que peno,
meu extremo anjo de vanguarda.

De que máscara
se gaba sua lástima,
de que vaga
se vangloria sua história,
saiba quem saiba."

Distâncias Mínimas

"um texto morcego
se guia por ecos
um texto texto cego
um eco anti anti anti antigo
um grito na parede rede rede
volta verde verde verde
com mim com com consigo
ouvir é ver se se se se se
ou se se me lhe te sigo?"

Acordei bemol

"acordei bemol
tudo estava sustenido

sol fazia
só não fazia sentido"

Moinho de Versos

"moinho de versos
movido a vento
em noites de boemia

vai vir o dia
quando tudo que eu diga
seja poesia"

Quando eu tiver setenta anos

"quando eu tiver setenta anos
então vai acabar esta minha adolescência

vou largar da vida louca
e terminar minha livre docência

vou fazer o que meu pai quer
começar a vida com passo perfeito

vou fazer o que minha mãe deseja
aproveitar as oportunidades
de virar um pilar da sociedade
e terminar meu curso de direito

então ver tudo em sã consciência
quando acabar esta adolescência"

Bem no Fundo

"No fundo, no fundo,
bem lá no fundo,
a gente gostaria
de ver nossos problemas
resolvidos por decreto 

a partir desta data,
aquela mágoa sem remédio
é considerada nula
e sobre ela — silêncio perpétuo 

extinto por lei todo o remorso,
maldito seja que olhas pra trás,
lá pra trás não há nada,
e nada mais 

mas problemas não se resolvem,
problemas têm família grande,
e aos domingos saem todos a passear
o problema, sua senhora
e outros pequenos probleminhas."

Paulo Leminski Filho (1944/1989), foi um escritor, poeta, crítico literário, tradutor e professor brasileiro. Tinha uma poesia marcante, pois inventou um jeito próprio de escrever, com trocadilhos, brincadeiras com ditados populares e influência do haicai, além de abusar de gírias e palavrões, tudo de forma bastante instigante.

Nenhum comentário:

Postar um comentário