Entre sacos de ração, um pitbull no banco traseiro e documentos falsos, a tentativa de fuga do ex-diretor da PRF revela contradições, medo e o colapso simbólico de quem já esteve no topo do poder estatal
| Silvinei Vasques é colocado no carro da PF após ser entregue pela polícia paraguaia na Ponte da Amizade - Reprodução/GloboNews |
A cena poderia facilmente integrar o roteiro de uma série policial. Uma estrada escura no Sul do Brasil, um carro seguindo rumo à fronteira, sacos de ração empilhados no porta-malas e um pitbull como única companhia. Ao volante, um homem que já ocupou um dos cargos mais estratégicos da segurança pública nacional. Assim começou a fuga de Silvinei Vasques, ex-diretor-geral da Polícia Rodoviária Federal (PRF), hoje condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a mais de 24 anos de prisão por participação na tentativa de golpe de Estado.
Na prática, porém, o roteiro não teve redenção nem final aberto. Teve fronteira, algemas e retorno forçado.
Após romper a tornozeleira eletrônica, Silvinei deixou Santa Catarina e seguiu em direção ao Paraguai. O plano, segundo apuraram as autoridades, era cruzar o país vizinho e embarcar em um voo com destino final a El Salvador. No caminho, tentou sustentar uma narrativa de doença grave, afirmando estar com câncer e impossibilitado de falar — argumento que mais tarde se revelaria frágil e contraditório.
A abordagem ocorreu na madrugada de sexta-feira (26), no Aeroporto Internacional Silvio Pettirossi, em Assunção. Lá, o ex-dirigente foi detido ao tentar embarcar em um voo com escala no Panamá. O detalhe que desmontou a tentativa de fuga foi decisivo: Silvinei apresentou documentos que não lhe pertenciam, usando a identidade de “Julio Eduardo”.
Durante a checagem, agentes paraguaios compararam fotografias, impressões digitais e dados biométricos. O resultado foi inequívoco. O homem à frente deles não era quem dizia ser. Confrontado, acabou admitindo que os documentos não eram seus.
O diretor de Migrações do Paraguai, Jorge Kronawetter, explicou que a expulsão ocorreu por dois motivos previstos na legislação local: entrada irregular no país e uso de identidade falsa. Além disso, o Ministério Público paraguaio abriu apuração para verificar se os documentos utilizados por Silvinei foram extraviados ou roubados.
Algemado e com o rosto coberto por um capuz — procedimento padrão adotado pela polícia paraguaia em casos de expulsão — ele foi conduzido por via terrestre até Ciudad del Este. Dali, atravessou a Ponte da Amizade e foi oficialmente entregue à Polícia Federal brasileira, já em solo de Foz do Iguaçu.
Na noite de sexta-feira, Silvinei passou a ficar sob custódia na Superintendência da PF no município paranaense, onde aguarda transferência para Brasília. A ordem de prisão preventiva foi determinada pelo ministro Alexandre de Moraes.
A condenação que pesa contra o ex-diretor da PRF está ligada à sua atuação durante o processo eleitoral, quando, segundo a decisão do STF, ele teria participado de ações para monitorar autoridades e dificultar o deslocamento de eleitores — especialmente no Nordeste — numa tentativa de interferir no resultado das eleições.
Há algo de profundamente simbólico na trajetória recente de Silvinei Vasques. Um homem que comandou uma das principais forças policiais do país, responsável por fiscalizar estradas e garantir a legalidade, termina protagonizando uma fuga improvisada, rompendo a tornozeleira eletrônica, atravessando fronteiras com identidade falsa, alegações médicas contestadas e um cachorro como testemunha silenciosa da queda.
O episódio expõe não apenas uma tentativa individual de escapar da Justiça, mas também o colapso moral de um projeto de poder que apostou na ruptura institucional. A fuga, ainda que breve, revela medo, desespero e contradição — sentimentos humanos, mas que não apagam a gravidade dos atos imputados.
Agora, longe das estradas que um dia patrulhou, Silvinei aguarda transferência para Brasília. O roteiro que parecia cinematográfico terminou sem trilha heroica, apenas com o peso da lei e a lembrança de que, mesmo para quem já vestiu autoridade, a fronteira entre poder e responsabilidade pode ser atravessada — mas a volta, quase sempre, é inevitável. Do episódio resta uma questão: que fim teve o Pitbull parceiro de fuga? Cabe às associações protetoras dos animais cobrar investigação e respostas.

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