segunda-feira, 2 de junho de 2025

'Jogavam futebol com cabeças de inimigos': diz procurador sobre facção do Ceará escondida na Rocinha

No topo da Rocinha, o bunker do horror: como uma mansão de luxo virou quartel-general de assassinos cearenses no coração do Rio

Redação Sulpost*

 
Mansão era bunker de assassinos escondidos na Rocinha - O Globo/Reprodução
 

O sol ainda nem havia tocado o topo da favela quando os primeiros helicópteros cortaram o céu da Rocinha. Lá de cima, o contraste era quase cínico: enquanto boa parte da comunidade acordava para mais um dia de luta, no alto da localidade conhecida como Dioneia, agentes do Batalhão de Operações Especiais (Bope) cercavam uma mansão com duas piscinas aquecidas, área gourmet e equipamentos de academia recém-instalados. Parecia o cenário de um retiro de luxo. Mas tratava-se, na verdade, do quartel-general de uma das facções criminosas mais violentas do país — um braço cearense do Comando Vermelho, responsável por mais de mil homicídios no Nordeste em apenas dois anos.

No centro da operação, o nome de um homem se repetia em quase todas as comunicações policiais: Anastácio Paiva Pereira, conhecido como Doze ou Paizão. Natural do interior do Ceará, ele é apontado como um dos líderes do grupo que, de dentro da Rocinha, comandava execuções brutais, esquartejamentos com motosserra e outras atrocidades que vinham sendo registradas e divulgadas nas redes sociais como forma de intimidação. "Eles jogavam futebol com as cabeças dos inimigos", revelou, estarrecido, o procurador-geral de Justiça do Rio, Antonio José Campos Moreira, durante coletiva no Quartel-General da PM.

Uma festa antes do cerco

Quando os policiais finalmente conseguiram acessar o interior da mansão, encontraram os resquícios de uma noite de celebração: gelo derretendo em baldes de inox, garrafas de bebidas caras, restos de carne ainda espalhados na churrasqueira. Um clima quase festivo — quebrado apenas pela evidência de que aquele era um bunker vigiado por homens armados com cerca de 70 fuzis, segundo estimativas das equipes de inteligência.

Ao lado do imóvel, uma espécie de alojamento improvisado recebia, segundo os investigadores, integrantes recém-chegados do Ceará. A mansão, estrategicamente situada no alto da comunidade, dava aos criminosos ampla visão do entorno. Um verdadeiro “home office do crime”, como definiu o secretário de Segurança Pública do Rio, Victor Cesar Carvalho dos Santos.

Operação integrada e fuga em massa

A ofensiva deste sábado envolveu uma complexa articulação entre os Grupos de Atuação Especializada no Combate ao Crime Organizado (Gaeco) dos Ministérios Públicos do Rio e do Ceará. Cerca de 400 policiais militares, entre eles tropas do Bope, foram mobilizados. Drones, helicópteros e monitoramento remoto direto do QG da PM garantiram a execução da operação, que tinha como objetivo o cumprimento de 29 mandados de prisão e 14 de busca e apreensão.

Mas o plano não saiu como o esperado. A movimentação das forças de segurança deflagrou uma fuga em massa: segundo informações obtidas pelo jornal O GLOBO, aproximadamente 400 criminosos escaparam para a mata que circunda a Rocinha. Houve troca de tiros. Um policial militar foi atingido no pescoço, mas está fora de perigo após ser socorrido ao Hospital Miguel Couto.

Durante a ação, foram apreendidos quatro fuzis, duas pistolas, um revólver, um fuzil de airsoft e drogas ainda em fase de contabilização. Apenas um criminoso com mandado em aberto foi preso.

Violência que cruza fronteiras

Embora a operação tenha ocorrido no Rio, a ferida é aberta no Nordeste. O grupo de Paizão, oriundo de Santa Quitéria (CE), se aproveitou da estrutura do Comando Vermelho para fincar raízes na capital fluminense. Com apoio logístico e armamento pesado, atuava à distância com uma eficácia brutal — e um grau de crueldade que chocou até os promotores mais experientes.

“O Rio de Janeiro virou esconderijo de criminosos do Brasil inteiro”, lamenta o secretário de Segurança. “Esse fenômeno começou a crescer após a ADPF 635, que limitou operações policiais em favelas durante a pandemia. O crime organizado não só se adaptou — ele se sofisticou.”

A operação de ontem é apenas uma peça de um quebra-cabeça muito maior. Mas ela revela, em cores fortes, a capacidade das facções de se reinventar, de se deslocar e de usar o próprio território urbano como escudo.

Uma mansão sobre um barril de pólvora

Para os moradores da Rocinha, o episódio é mais um capítulo de um cotidiano instável. “A gente já sabia que tinha coisa errada ali em cima”, contou um morador que prefere não se identificar. “Mas ninguém fala, ninguém sobe. Quem mora aqui aprende a se proteger com o silêncio.”

Entre a piscina aquecida e a mata fechada, o luxo e o terror coexistiram por meses — ou anos. Em um lugar onde muitos sobrevivem com o básico, a mansão com cascata, academia e festas noturnas servia de símbolo de uma impunidade que parecia inabalável.

Agora, sob os olhos atentos do país, ela virou prova material de um sistema de violência que não respeita fronteiras nem geografias. E que, mesmo alvejado por uma megaoperação, ainda segue pulsando, reinventando-se — em alguma outra colina, em outro esconderijo, longe dos olhos e perto do abismo.

*com informações de Vera Araújo / O Globo - Imagem: Divulgação / Reprodução TV Globo / X (antigo Twitter)

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