Translate

segunda-feira, 24 de agosto de 2020

Poesias, de Olavo Bilac

Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (Rio de Janeiro 1865/1918), ou apenas Olavo Bilac, foi um jornalista, contista, cronista e poeta brasileiro, considerado o principal representante do parnasianismo no país. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 15 da instituição, cujo patrono é Gonçalves Dias.
Olavo Bilac (1865/1918)
O volume Poesias, de Olavo Bilac¹, possui uma importância histórica extraordinária. Excetuando-se talvez o Eu, de Augusto dos Anjos, nenhum livro de nossa poesia teve aceitação e influência na sensibilidade brasileira desde 1888, ano de sua primeira edição, até mais ou menos 1950.

Dai para cá, por influência das ideias modernistas, entrou em processo de descrédito, sem contudo perder a força das verdadeiras obras de arte.

Superadas as razões modernistas, é hora de revisitar o grande parnasiano, sem preconceito nem reverência. Sempre haverá a possibilidade de se encontrar neste livro, quase todo escrito quando o poeta tinha 23 anos, uma das fontes da melhor poesia que já se escreveu no país.


A seguir algumas poesias desta que é a obra prima de Olavo Bilac:


Velhas Árvores

Poesisas (Olavo Bilac)
"Olha estas velhas árvores, mais belas 
Do que as árvores novas, mais amigas: 
Tanto mais belas quanto mais antigas, 
Vencedoras da idade e das procelas... 

O homem, a fera, e o inseto, à sombra delas 
Vivem, livres de fomes e fadigas; 
E em seus galhos abrigam-se as cantigas 
E os amores das aves tagarelas. 

Não choremos, amigo, a mocidade! 
Envelheçamos rindo! envelheçamos 
Como as árvores fortes envelhecem: 

Na glória da alegria e da bondade, 
Agasalhando os pássaros nos ramos, 
Dando sombra e consolo aos que padecem!"


Mater

"Tu, grande Mãe!... do amor de teus filhos escrava, 
Para teus filhos és, no caminho da vida, 
Como a faixa de luz que o povo hebreu guiava 
À longe Terra Prometida. 

Jorra de teu olhar um rio luminoso. 
Pois, para batizar essas almas em flor, 
Deixas cascatear desse olhar carinhoso 
Todo o Jordão do teu amor. 

E espalham tanto brilho as asas infinitas 
Que expandes sobre os teus, carinhosas e belas, 
Que o seu grande dano sobe, quando as agitas, 
E vai perder-se entre as estrelas. 

E eles, pelos degraus da luz ampla e sagrada, 
Fogem da humana dor, fogem do humano pé, 
E, à procura de Deus, vão subindo essa escada, 
Que é como a escada de Jacó."


Tédio

"Sobre minh'alma, como sobre um trono, 
Senhor brutal, pesa o aborrecimento. 
Como tardas em vir, último outono, 
Lançar-me as folhas últimas ao vento! 

Oh! dormir no silêncio e no abandono, 
Só, sem um sonho, sem um pensamento, 
E, no letargo do aniquilamento, 
Ter, ó pedra, a quietude do teu sono! 

Oh! deixar de sonhar o que não vejo! 
Ter o sangue gelado, e a carne fria! 
E, de uma luz crepuscular velada, 

Deixar a alma dormir sem um desejo, 
Ampla, fúnebre, lúgubre, vazia 
Como uma catedral abandonada!..."


Sonho

"Quantas vezes, em sonho, as asas da saudade 
Solto para onde estás, e fico de ti perto! 
Como, depois do sonho, é triste a realidade! 
Como tudo, sem ti, fica depois deserto! 

Sonho... Minha alma voa. O ar gorjeia e soluça. 
Noite... A amplidão se estende, iluminada e calma: 
De cada estrela de ouro um anjo se debruça, 
E abre o olhar espantado, ao ver passar minha alma. 

Há por tudo a alegria e o rumor de um noivado. 
Em torno a cada ninho anda bailando uma asa. 
E, como sobre um leito um alvo cortinado, 
Alva, a luz do luar cai sobre a tua casa. 

Porém, subitamente, um relâmpago corta 
Todo o espaço... O rumor de um salmo se levanta 
E, sorrindo, serena, apareces à porta, 
Como numa moldura a imagem de uma Santa..."



"Este, que um deus cruel arremessou à vida, 
Marcando-o com o sinal da sua maldição, 
- Este desabrochou como a erva má, nascida 
Apenas para aos pés ser calcada no chão. 

De motejo em motejo arrasta a alma ferida... 
Sem constância no amor, dentro do coração 
Sente, crespa, crescer a selva retorcida 
Dos pensamentos maus, filhos da solidão. 

Longos dias sem sol! noites de eterno luto! 
Alma cega, perdida à toa no caminho! 
Roto casco de nau, desprezado no mar! 

E, árvore, acabará sem nunca dar um fruto; 
E, homem, há de morrer como viveu: sozinho! 
Sem ar! sem luz! sem Deus! sem fé! sem pão! sem lar!"


A Alvorada do Amor

"Um horror grande e mudo, um silêncio profundo 
No dia do Pecado amortalhava o mundo. 
E Adão, vendo fechar-se a porta do Éden, vendo 
Que Eva olhava o deserto e hesitava tremendo, 
Disse: 

"Chega-te a mim! entra no meu amor, 
E à minha carne entrega a tua carne em flor! 
Preme contra o meu peito o teu seio agitado, 
E aprende a amar o Amor, renovando o pecado! 
Abençôo o teu crime, acolho o teu desgosto, 
Bebo-te, de uma em uma, as lágrimas do rosto! 

Vê! tudo nos repele! a toda a criação 
Sacode o mesmo horror e a mesma indignação... 
A cólera de Deus torce as árvores, cresta 
Como um tufão de fogo o seio da floresta, 
Abre a terra em vulcões, encrespa a água dos rios; 
As estrelas estão cheias de calefrios; 
Ruge soturno o mar; turva-se hediondo o céu... 

Vamos! que importa Deus? Desata, como um véu, 
Sobre a tua nudez a cabeleira! Vamos! 
Arda em chamas o chão; rasguem-te a pele os ramos; 
Morda-te o corpo o sol; injuriem-te os ninhos; 
Surjam feras a uivar de todos os caminhos; 
E, vendo-te a sangrar das urzes através, 
Se emaranhem no chão as serpes aos teus pés... 
Que importa? o Amor, botão apenas entreaberto, 
Ilumina o degredo e perfuma o deserto! 
Amo-te! sou feliz! porque, do Éden perdido, 
Levo tudo, levando o teu corpo querido! 

Pode, em redor de ti, tudo se aniquilar: 
- Tudo renascerá cantando ao teu olhar, 
Tudo, mares e céus, árvores e montanhas, 
Porque a Vida perpétua arde em tuas entranhas! 
Rosas te brotarão da boca, se cantares! 
Rios te correrão dos olhos, se chorares! 
E se, em torno ao teu corpo encantador e nu, 
Tudo morrer, que importa? A Natureza és tu, 
Agora que és mulher, agora que pecaste! 

Ah! bendito o momento em que me revelaste 
O amor com o teu pecado, e a vida com o teu crime! 
Porque, livre de Deus, redimido e sublime, 
Homem fico, na terra, à luz dos olhos teus, 
- Terra, melhor que o céu! homem, maior que Deus!" 


Maldição

"Se por vinte anos, nesta furna escura, 
Deixei dormir a minha maldição, 
- Hoje, velha e cansada da amargura, 
Minh'alma se abrirá como um vulcão. 

E, em torrentes de cólera e loucura, 
Sobre a tua cabeça ferverão 
Vinte anos de silêncio e de tortura, 
Vinte anos de agonia e solidão... 

Maldita sejas pelo Ideal perdido! 
Pelo mal que fizeste sem querer! 
Pelo amor que morreu sem ter nascido! 

Pelas horas vividas sem prazer! 
Pela tristeza do que eu tenho sido! 
Pelo esplendor do que eu deixei de ser!..."


Em uma Tarde de Outono

"Outono. 
Em frente ao mar. 
Escancaro as janelas 
Sobre o jardim calado, e as águas miro, absorto. 
Outono... Rodopiando, as folhas amarelas 
Rolam, caem. Viuvez, velhice, desconforto... 

Por que, belo navio, ao clarão das estrelas, 
Visitaste este mar inabitado e morto, 
Se logo, ao vir do vento, abriste ao vento as velas, 
Se logo, ao vir da luz, abandonaste o porto? 

A água cantou. 
Rodeava, aos beijos, os teus flancos 
A espuma, desmanchada em riso e flocos brancos... 
Mas chegaste com a noite, e fugiste com o sol! 

E eu olho o céu deserto, e vejo o oceano triste, 
E contemplo o lugar por onde te sumiste, 
Banhado no clarão nascente do arrebol..."


Um Beijo

"Foste o beijo melhor da minha vida, 
ou talvez o pior...Glória e tormento, 
contigo à luz subi do firmamento, 
contigo fui pela infernal descida! 
Morreste, e o meu desejo não te olvida: 
queimas-me o sangue, enches-me o pensamento, 
e do teu gosto amargo me alimento, 
e rolo-te na boca malferida. 
Beijo extremo, meu prêmio e meu castigo, 
batismo e extrema-unção, naquele instante 
por que, feliz, eu não morri contigo? 
Sinto-me o ardor, e o crepitar te escuto, 
beijo divino! e anseio delirante, 
na perpétua saudade de um minuto..."


Língua Portuguesa

"Última flor do Lácio, inculta e bela, 
És, a um tempo, esplendor e sepultura: 
Ouro nativo, que na ganga impura 
A bruta mina entre os cascalhos vela 
Amo-se assim, desconhecida e obscura 
Tuba de algo clangor, lira singela, 
Que tens o trom e o silvo da procela, 
E o arrolo da saudade e da ternura! 
Amo o teu viço agreste e o teu aroma 
De virgens selvas e de oceano largo! 
Amo-te, ó rude e doloroso idioma, 
Em que da voz materna ouvi: "meu filho!", 
E em que Camões chorou, no exílio amargo, 
O gênio sem ventura e o amor sem brilho!"


1- Olavo Brás Martins dos Guimarães Bilac (Rio de Janeiro 1865/1918), ou apenas Olavo Bilac, foi um jornalista, contista, cronista e poeta brasileiro, considerado o principal representante do parnasianismo no país. Foi membro fundador da Academia Brasileira de Letras, ocupando a cadeira 15 da instituição, cujo patrono é Gonçalves Dias. (Wikipédia)

Nenhum comentário:

Postar um comentário