sexta-feira, 15 de fevereiro de 2019

Nietzsche: "O Intelecto"




"Em algum remoto rincão do universo cintilante que se derrama em um sem-número de sistemas solares, havia uma vez um astro, em que animais inteligentes inventaram o conhecimento.

Foi o minuto mais soberbo e mais mentiroso da "história universal": mas também foi somente um minuto. 

Passados poucos fôlegos da natureza congelou-se o astro, e os animais inteligentes tiveram de morrer. — Assim poderia alguém inventar uma fábula e nem por isso teria ilustrado suficientemente quão lamentável, quão fantasmagórico e fugaz, quão sem finalidade e gratuito fica o intelecto humano dentro da natureza. 

Houve eternidades, em que ele não estava; quando de novo ele tiver passado, nada terá acontecido. Pois não há para aquele intelecto nenhuma missão mais vasta, que conduzisse além da vida humana. Ao contrário, ele é humano, e somente seu possuidor e genitor o toma tão pateticamente, como se os gonzos do mundo girassem nele. Mas se pudéssemos entender-nos com a mosca, perceberíamos que também ela bóia no ar com esse páthos e sente em si o centro voante deste mundo. 

Não há nada tão desprezível e mesquinho na natureza que, com um pequeno sopro daquela força do conhecimento, não transbordasse logo como um odre; e como todo transportador de carga quer ter seu admirador, mesmo o mais orgulhoso dos homens, o filósofo, pensa ver por todos os lados os olhos do universo telescopicamente em mira sobre o seu agir e pensar.  

É notável que o intelecto seja capaz disso, justamente ele, que foi concedido apenas como meio auxiliar aos mais infelizes, delicados e perecíveis dos seres, para firmá-lo um minuto na existência, da qual, sem essa concessão, eles teriam toda razão para fugir tão rapidamente quanto o filho de Lessing. 

Aquela altivez associada ao conhecer e sentir, nuvem de cegueira pousada sobre olhos e sentidos dos homens, engana-os, pois, sobre o valor da existência ao trazer em si a mais lisonjeira das estimativas de valor sobre o próprio conhecer. Seu efeito mais geral é engano mas mesmo os efeitos mais particulares trazem em si algo do mesmo caráter. (...)"
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Fonte: Friedrich Wilhelm Nietzsche, em "Sobre a Verdade e a Mentira no Sentido Extra-moral". Editora Nova Cultural, 1° e 2º parágrafos - Imagem: PublicDomainPictures/Pixabay (CC0)

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