Somos dois barcos que possuem, cada qual, seu objetivo e seu caminho; podemos nos cruzar e celebrar juntos uma festa, como já fizemos — e os bons navios ficaram placidamente no mesmo porto e sob o mesmo sol, parecendo haver chegado a seu destino e ter tido um só destino.
Mas então a todo-poderosa força de nossa missão nos afastou novamente, em direção a mares e quadrantes diversos, e talvez nunca mais nos vejamos de novo — ou talvez nos vejamos, sim, mas sem nos reconhecermos: os diferentes mares e sóis nos modificaram!
Que tenhamos de nos tornar estranhos um para o outro é a lei acima de nós: justamente por isso devemos nos tornar também mais veneráveis um para o outro! Justamente por isso deve-se tornar mais sagrado o pensamento de nossa antiga amizade!
Existe provavelmente uma enorme curva invisível, uma órbita estelar em que nossa tão diversas trilhas e metas estejam incluídas como pequenos trajetos — elevemo-nos a esse pensamento! Mas nossa vida é muito breve e nossa vista muito fraca, para podermos ser mais que amigos no sentido dessa elevada possibilidade. — E assim vamos crer em nossa amizade estelar, ainda que tenhamos de ser inimigos na Terra."
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Fonte: Friedrich Wilhelm Nietzsche, in "A Gaia Ciência" – aforismo 279 / Editora Companhia das Letras, 2011 - Imagem: gravura, por René Magritte (reprodução)
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