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domingo, 3 de fevereiro de 2019

A Política segundo Espinoza




Frontispício da 1‘ edição de "Tratado Político" (1677)
Baruch de Espinoza, nascido Benedito de Spinoza foi um dos grandes racionalistas e filósofos do século XVII dentro da chamada Filosofia Moderna, ao lado de René Descartes e Gottfried Leibniz. Nasceu em Amsterdã (1632), nos Países Baixos, no seio de uma família judaica portuguesa, e é considerado o fundador da crítica bíblica moderna.

"Tratado Político" é um livro de autoria de Baruch de Espinoza, única obra sua publicada em vida, o Tratado teológico-político, apresenta-se globalmente como uma defesa da liberdade de pensar, um elogio da tolerância e uma apologia da democracia. 

O autor critica a teologia quando esta estende seu poder para fora de seus domínios, elaborando uma teoria nova do poder político e submetendo a narrativa bíblica, como qualquer outro livro, à crítica histórica.

Leia a seguir alguns trechos da obra:

"Quer seja conduzido pela razão ou apenas pelo desejo, o homem, efectivamente, nada faz que não esteja conforme com as leis e as regras da natureza." (p.18)

"A natureza de modo algum está submetida às leis da razão humana que tendem unicamente à utilidade e conservação dos homens." (p.21)

"Tudo o que na natureza nos parece ridículo, absurdo ou mau, não tem essa aparência senão porque nós conhecemos as coisas somente em parte, e ignoramos na maior parte a ordem da natureza inteira e as ligações que há entre as coisas, de modo que queremos que tudo seja dirigido de uma forma conforme a nossa razão, e contudo o que a razão afirma ser mau não o é, se considerarmos a ordem e as leis do universo, mas unicamente se atendermos somente às leis da nossa natureza." (p.22)

"Os homens cedem mais aos seus apetites do que à razão, e, apesar de tudo, tal não perturba a ordem da natureza, pois que se lhe submetem necessariamente." (p.27)

"O homem pode agir contrariamente aos decretos de Deus impressos como leis na nossa alma ou na dos profetas, mas não contra o eterno decreto de Deus que está gravado em todo o universo e que respeita à ordem de toda a natureza." (p.29)

"Se a Cidade concede a alguém o direito e por conseguinte o poder de viver conforme a sua constituição, abdica do seu próprio direito e transfere-o para aquele a quem dá esse poder. Se dá esse poder a duas pessoas ou a várias, divide por isso o Estado, pois que, cada um daqueles a quem foi dado o poder, vive segundo seu próprio arbítrio. Se, enfim, dá esse poder a cada um dos cidadãos, destrói-se a si mesma; a Cidade deixa de existir e retorna-se ao estado natural. Tudo isto é bastante manifesto através do que precede e, por conseguinte, não se pode de maneira alguma conceber que a regra da Cidade permita a cada cidadão viver segundo o seu próprio arbítrio, o direito natural pelo qual cada um é juiz de si mesmo desaparece, portanto, necessariamente, no estado civil. O homem, com efeito, quer no estado natural quer no civil, age segundo as leis da sua natureza e procura satisfazer os seus interesses, (…) e a principal diferença entre os dois estados é que, no estado civil, todos têm os mesmos temores e a regra de vida é comum (…)." (p.31)

"Não podemos conceber que seja permitido a cada um interpretar os decretos da Cidade, isto é, as suas leis. Se houvesse tal permissão, ser-se-ia, com efeito, seu próprio juiz; não haveria actos cometidos por si que não pudessem tornar-se desculpáveis ou louváveis com uma aparência de direito, e, consequentemente, regular-se-ia a vida segundo o próprio arbítrio, o que é absurdo." (p.32)

"Duas Cidades são naturalmente inimigas porque os homens no estado natural são inimigos. Aqueles que fora da Cidade conservem o direito natural permanecem inimigos." (p.38)

"Só o soberano sabe estabelecer leis." (p.41)

"Só o soberano tem o direito de estabelecer um juízo sobre os actos de cada um." (p.42)

"É, sobretudo, quando se conforma aos ditames da razão que a Cidade é senhora de si mesma." (p.43)

"Àquele ou àqueles que detêm o poder público, é, portanto, igualmente impossível mostrar-se em estado de embriaguês ou acompanhados de prostitutas, fazer de bobos, violar ou desprezar abertamente as leis estabelecidas por eles mesmos e, apesar disto, conservar a sua majestade. (…) Condenar à morte os súbditos, confiscar os seus bens, violentar as virgens e coisas semelhantes, é transformar o temor em indignação, e consequentemente o estado civil em estado de guerra." (p.44)

"A Cidade não admite para o seu poder outro limite, senão o que o homem observa no estado natural para permanecer senhor de si próprio, ou não agir como inimigo de si mesmo, para se não destruir. A observação deste limite não é de modo algum obediência, é pelo contrário a liberdade da natureza humana." (p.45)

"Não há dúvida de que os contratos, as leis, pelos quais o conjunto dos cidadãos transfere o seu direito para um conselho, ou para um homem, devem ser violados quando essa violação importa ao interesse comum. Mas a nenhum particular compete julgar, isto é, decidir se é do interesse comum violar as leis estabelecidas ou não. (…) Nenhum particular tem o direito de agir como defensor das leis (…)." (p.45)

"O melhor que faz, seja um homem, seja uma Cidade, é o que fizer enquanto for completamente senhor de si próprio. Não é, com efeito, tudo o que dizemos que há o direito de fazer que afirmaremos ser o melhor: uma coisa é cultivar um campo em virtude de um direito, outra coisa é cultivar esse campo o melhor possível; uma coisa, digo, é defender-se, conservar-se, julgar em virtude do direito próprio, outra coisa defender-se, conservar-se e julgar o melhor possível." (p.46).

"É certo, com efeito, que as sedições, as guerras e a violação ou o desprezo pelas leis são imputáveis, não tanto à malícia dos súbditos, quanto a um vício do regime instituído. (…) Com efeito, um estado civil que não suprimiu as causas de sedição e onde a guerra é constantemente de recear, onde as leis são frequentemente violadas, não difere muito do estado natural em que cada um, com maior perigo para a sua vida, age segundo a própria constituição." (p.47)

"A paz, com efeito, não é a simples ausência de guerra, é uma virtude que tem a sua origem na força da alma, pois que a obediência é uma vontade constante de fazer o que, segundo o direito comum da Cidade, deve ser feito. Uma Cidade, é preciso dizê-lo, em que a paz é efeito da inércia dos súbditos conduzidos como um rebanho e formados unicamente na servidão, merece mais o nome de solidão que o de Cidade. Quando dizemos que o melhor Estado é aquele em que os homens vivem na concórdia, entendo que vivem uma vida propriamente humana, uma vida que não se define pela circulação do sangue e realização das outras funções comuns a todos os animais, mas principalmente pela razão, a virtude da alma e a vida verdadeira. É preciso notá-lo ainda, o Estado que refiro como instituído com o fim de fazer reinar a concórdia, deve ser entendido como instituído por uma população livre, e não como estabelecido por direito de conquista sobre uma população vencida." (p.48-49)

"O Estado deve ser dirigido de tal maneira que todos, tanto os que governam como os que são governados façam, de boa ou de má vontade, o que importa ao bem-estar de todos, isto é, que todos, por vontade própria, ou por força ou por necessidade, sejam obrigados a viver segundo os preceitos da razão." (p.51)

"Nenhumas cidades foram menos estáveis do que as cidades populares ou democráticas, nem onde se tenham dado tantas sedições. (…) A paz não consiste na ausência da guerra, mas na união das almas, isto é, na concórdia." (p.52)

"O governante é tanto menos senhor de si próprio e a condição do súbdito é tanto mais digna de piedade, quanto mais o poder sobre a Cidade lhe for transferido sem reserva. (…) É preciso fundar uma cidade (…) de que todos os cidadãos tenham o mesmo direito ao seu usufruto." (p.54)

"É preciso, portanto, que todos tenham obrigatoriamente armas e que nenhum seja recebido no número dos cidadãos senão após ter sido instruído no manejo das armas e se ter comprometido a nelas se exercitar, durante certos períodos do ano." (p.55)

"O rei deverá olhar-se como a alma da Cidade, mas o conselho terá o lugar que ocupam no homem os órgãos dos sentidos. Será, de certo modo, o corpo da Cidade pelo qual a alma concebe a situação do Estado e age, após ter decidido, o que é o melhor." (p.59)
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Fonte: Benedito de Espinoza, “Tratado Político” - Imagem: gravura, por René Magritte (reprodução)

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