De 4,8 a 12,7 bilhões de quilos de plástico são lançados anualmente nos oceanos. Mantida a tendência, a quantidade deverá decuplicar por volta de 2025. É o que revelou um estudo publicado na revista Science em 2015, com dados de 2010.
Um dos fatores que fazem com que os plásticos sejam tão utilizados é justamente aquele que mais contribui para sua ameaça ao meio ambiente: a resistência à degradação. Ao ser descartada, uma garrafa PET (polietileno tereftalato) pode permanecer no meio ambiente por 800 anos.
Com tudo isso, é fácil entender o grande interesse suscitado pela descoberta de uma enzima capaz de digerir o polietileno tereftalato. E a enzima, denominada PETase, acaba de ter sua capacidade de degradar o plástico incrementada. A novidade foi descrita em artigo publicado na Proceedings of the National Academy of Sciences of the United States of America (PNAS).
Dois pesquisadores do Instituto de Química da Universidade Estadual de Campinas (IQ-Unicamp) participaram da pesquisa, em colaboração com pesquisadores do Reino Unido (University of Portsmouth) e dos Estados Unidos (National Renewable Energy Laboratory). São o pós-doutorando Rodrigo Leandro Silveira e seu supervisor, o professor titular e pró-reitor de Pesquisa da Unicamp Munir Salomão Skaf.
A participação foi apoiada pela FAPESP por meio de Bolsa de Pós-Doutorado e de Bolsa Estágio de Pesquisa no Exterior concedidas a Silveira e do Centro de Pesquisa em Engenharia e Ciências Computacionais, coordenado por Skaf e um dos Centros de Pesquisa, Inovação e Difusão (CEPIDs) mantidos pela Fundação.
“Usado principalmente na fabricação de garrafas de bebidas, o polietileno tereftalato é também muito empregado na confecção de roupas, tapetes e outros objetos. Em nossa pesquisa, caracterizamos a estrutura tridimensional da enzima capaz de digerir esse plástico, a engenheiramos, aumentando seu poder de degradação, e demonstramos que ela é também ativa em polietileno-2,5-furanodicarboxilato (PEF), um substituto do PET fabricado a partir de matérias-primas renováveis”, disse Silveira à Agência FAPESP.
O interesse pela PETase surgiu em 2016, quando um grupo de pesquisadores japoneses, tendo à frente Shosuke Yoshida, identificou uma nova espécie de bactéria, Ideonella sakaiensis, capaz de usar o polietileno tereftalato como fonte de carbono e energia – em outras palavras, capaz de se alimentar de PET. Trata-se, até hoje, do único organismo conhecido com essa capacidade. Ele, literalmente, cresce sobre o PET.
“Além de identificar a Ideonella sakaiensis, os japoneses descobriram que ela produzia duas enzimas que são secretadas para o meio ambiente. Uma das enzimas secretadas era justamente a PETase. Por ter certo grau de cristalinidade, o PET é um polímero muito difícil de ser degradado. Usamos tecnicamente o termo ‘recalcitrância’ para nomear a propriedade que certos polímeros muito empacotados possuem de resistir à degradação. O PET é um deles. Mas a PETase o ataca e o decompõe em pequenas unidades – o ácido mono(2-hidroxietil)tereftálico (MHET). As unidades de MHET são então convertidas em ácido tereftálico e absorvidas e metabolizadas pela bactéria”, disse Silveira.
Todos os seres vivos conhecidos utilizam biomoléculas para sobreviver. Todos menos a Ideonella sakaiensis, que consegue utilizar uma molécula sintética, fabricada pelo ser humano. Isso significa que tal bactéria é resultado de um processo evolutivo muito recente, ocorrido ao longo das últimas décadas. Ela conseguiu se adaptar a um polímero que foi desenvolvido no início dos anos 1940 e só começou a ser utilizado em escala industrial nos anos 1970. Para isso, a PETase é a peça-chave.
“A PETase faz a parte mais difícil, que é romper a estrutura cristalina e despolimerizar o PET em MHET. O trabalho da segunda enzima, que transforma MHET em ácido tereftálico, já é bem mais simples, uma vez que seu substrato é formado por monômeros aos quais a enzima tem fácil acesso por estarem dispersos no meio reacional. Por isso, os estudos se concentraram na PETase”, disse Silveira.
A etapa seguinte foi estudar detalhadamente a PETase e nisso consistiu a contribuição da nova pesquisa. “Nosso foco foi descobrir o que conferia à PETase a capacidade de fazer algo que as demais enzimas não eram capazes de fazer com muita eficiência. Para isso, o primeiro passo foi obter a estrutura tridimensional dessa proteína”, disse.
“Obter a estrutura tridimensional significa descobrir as coordenadas x, y e z de cada um dos milhares de átomos que constituem a macromolécula. Nossos colegas britânicos fizeram esse trabalho por meio de uma técnica bastante conhecida e utilizada, chamada difração de raio X. Eles se serviram de um laboratório muito parecido com o Sirius, que está sendo construído em Campinas”, explicou. Leia mais...
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Fonte: José Tadeu Arantes | Agência FAPESP - Pesquisa melhora enzima que degrada plástico
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