Assim falou Zaratustra: um livro para todos e para ninguém (em alemão: Also sprach Zarathustra: Ein Buch für Alle und Keinen) é um livro escrito entre 1883 e 1885 pelo filósofo alemão Friedrich Nietzsche, que influenciou significativamente o mundo moderno. O livro narra as andanças e ensinamentos de um filósofo, que se autonomeou Zaratustra após a fundação do Zoroastrismo na antiga Pérsia.
Para explorar muitas das ideias de Nietzsche, o livro usa uma forma poética e fictícia, frequentemente satirizando o Velho e Novo Testamento.
O centro de Zaratustra é a noção de que os seres humanos são uma forma transicional entre macacos e o que Nietzsche chamou de Übermensch, literalmente "além-do-homem", normalmente traduzido como "super-homem". O nome é um dos muitos trocadilhos no livro e se refere mais claramente à imagem do Sol vindo além do horizonte ao amanhecer como a simples noção de vitória.
Amplamente baseado em episódios, as histórias em Zaratustra podem ser lidas em qualquer ordem. Zaratustra contém a famosa frase Gott ist tot ("Deus está morto"), embora essa também tenha aparecido anteriormente no livro Die fröhliche Wissenschaft (A Gaia Ciência) de Nietszche, e antes ainda em diversas obras de Georg Hegel.
A Picada da Víbora
"Um dia, estava Zaratustra a dormitar sob uma figueira, porque fazia calor, e tinha tapado o rosto com o braço. Nisto chegou uma víbora, mordeu-lhe o pescoço, e ele soltou um grito de dor. Afastando o braço do rosto, olhou a serpente; ela reconheceu os olhos de Zaratustra, contorceu-se vagarosamente e quis se retirar.
“Não — disse Zaratustra: — espera, ainda não te agradeci! Despertaste-me a tempo, pois o meu caminho ainda é longo”.
— “O teu caminho é curto — disse tristemente a víbora: — o meu veneno mata”. Zaratustra pôs-se a rir. “Quando foi que o veneno de uma serpente matou um dragão? — disse — reabsorve o teu veneno! Não és rica demais para me fazeres presente dele”. Então a víbora tornou a enlaçar-lhe o pescoço e lambeu-lhe a ferida.
Quando um dia Zaratustra contou isto aos seus discípulos, eles perguntaram-lhe: “E qual é a moral do teu conto?” Zaratustra respondeu:
“Os bons e os justos chamam-me o destruidor da moral: o meu conto é imoral. Se tendes, porém, um inimigo, não lhe devolvais bem por mal porque se sentiria humilhado; demonstrai-lhe, pelo contrário, que vos fez um bem. E a ter que humilhar preferi encolerizar-vos. E quando se vos amaldiçoe, não me agrada que vós abençoeis. Amaldiçoai também. E se vos fizeram uma grande injustiça, fazei vós imediatamente cinco injustiças pequenas.
Horroriza ver o que por si só sofre o peso da injustiça. Já sabeis isto? Injustiça repartida é semi-direito. E aquele que pode trazer a injustiça deve levá-la.
Uma pequena vingança é mais humana do que nenhuma. E se o castigo não é somente um direito e uma honra para o transgressor, eu não quero o vosso castigo. É mais nobre condenarmos do que teimar, mormente quando temos razão. Somente é preciso ser rico bastante para isso.
Não me agrada a vossa fria injustiça: nos olhos dos vossos juizes transparece sempre o olhar do verdugo e seu gelado cutelo. Dizei-me: onde se encontra a justiça que é amor com olhos perspicazes?
Inventai-me, pois, o amor que suporta, não só todos os castigos, mas também todas as faltas. Inventai-me a justiça que absolve todos, exceto aquele que julga!
Quereis ouvir mais? No que quer ser verdadeiramente justo, a mentira muda-se em filantropia. Mas, como poderia eu ser verdadeiramente justo? Como poderia dar a cada um o seu? Basta-me isto: eu dou a cada um o meu.
Enfim, irmãos livrai-vos de ser injustos com os solitários. Como poderia um solitário esquecer? Como poderia devolver? Um solitário é como um poço profundo. É fácil lançar nele uma pedra; mas se a pedra vai ao fundo quem se atreverá a tirá-la? Livrai-vos de ofender o solitário; mas se o ofendestes então, matai-o também!”
Assim falava Zaratustra."
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