À medida que os Estados Unidos ampliam operações navais e interceptam petroleiros próximos à Venezuela, o presidente Lula alerta para “catástrofe humanitária” e acende o sinal de alerta para o futuro político e social da região
| EUA tomam controle do 3° navio venezuelano - DHS/Handout via REUTERS |
O mar do Caribe, que por décadas foi palco de comércio, migrações, intercâmbio cultural e também de pirataria, tornou-se nos últimos dias um tabuleiro de tensões que podem transformar realidades e redefinir fronteiras invisíveis. Na costa venezuelana, forças dos Estados Unidos intensificam sua presença naval, enquanto petroleiros — o pulso econômico da Venezuela — tornaram-se alvos de abordagens e apreensões em alto mar.
Os episódios lembram o tempo em que corsários, piratas e galeões imperialistas entravam em conflito naquela mesma região. Especialistas e líderes regionais observam, com crescente preocupação, os sinais de uma escalada que ameaça escapar do controle diplomático.
No último fim de semana, as forças norte-americanas interceptaram e abordaram um segundo navio petroleiro próximo à costa venezuelana, em meio à implementação de um bloqueio decretado pelo governo dos EUA contra embarcações que transportam petróleo venezuelano sujeito a sanções internacionais.
O navio em questão, o Centuries, de bandeira panamenha, foi interrompido em alto mar por unidades da Guarda Costeira dos EUA, em uma ação que, segundo autoridades norte-americanas, faz parte da pressão para coibir o que Washington classifica como tráfico ilícito de petróleo e financiamento de atividades criminosas. Venezuela, por sua vez, denunciou o episódio como “roubo e sequestro” do navio e de sua tripulação.
A apreensão do Centuries ocorre menos de duas semanas após a primeira ação de grande repercussão: em 10 de dezembro, o petroleiro Skipper havia sido capturado no Caribe por ordens do governo dos EUA, em meio ao que Washington disse ser uma repressão a um “shadow fleet” — uma frota opaca de embarcações envolvidas em “evasão de sanções”.
Fontes internacionais agora relatam que uma terceira embarcação petroleira foi perseguida e apreendida por forças norte-americanas nas proximidades da Venezuela, esta é a terceira operação de interceptação de um petroleiro venezuelano pelos EUA — num curto espaço de tempo e em águas que se historicamente já foram palco de pirataria, até há pouco eram área de convergência e comércio pacífico entre as nações.
A soma dessas ações não representa apenas um aumento operacional, mas uma transformação no clima geopolítico da região. A Venezuela, um dos maiores produtores de petróleo do planeta, tem no ouro negro o coração de sua economia — e cada movimento que afeta essa rota reverbera além de Caracas.
É neste contexto que, no sábado passado, em um discurso na 67ª Cúpula do Mercosul em Foz do Iguaçu (PR), o presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, lançou um alerta que ecoou pela América Latina:
“Uma intervenção armada na Venezuela seria uma catástrofe humanitária para o hemisfério e um precedente perigoso para o mundo.”
Lula não apenas criticou a intensificação das ações militares extrarregionais no Caribe, mas também enfatizou o potencial de uma crise humanitária que poderia se estender muito além das fronteiras venezuelanas — atravessando cordilheiras políticas e chegando às fronteiras brasileiras.
Em seu discurso, o presidente brasileiro destacou que os limites do direito internacional estão sendo testados e que a presença militar de potências externas na América do Sul pode representar riscos que vão além do combate ao narcotráfico ou à evasão de sanções.
Para muitos analistas, a fala de Lula reflete um sentimento mais amplo entre governos latino-americanos: o temor de que decisões estratégicas tomadas por potências extrarregionais possam gerar consequências humanitárias, econômicas e sociais de vasta magnitude.
Enquanto isso, navios continuam a ser abordados, rotas comerciais são revistas e capitais se movem — não apenas como resposta a sanções, mas como parte de uma narrativa que pode redesenhar alianças e desafiar normas de soberania e diplomacia no século XXI.
A história que estamos diante de escrever ainda está em movimento. Cada operação no mar do Caribe, cada declaração diplomática e cada alerta de líderes como Lula compõem um mosaico complexo — onde a geopolítica encontra vidas, fronteiras e o futuro de uma região inteira.
Ronald Stresser, para o Sulpost.
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